13 de jul. de 2010

seção dos amores imaginários ou concretos demais - parte 2

Cada vez mais eu entendo quem é Senhorita Rita em mim. Sei também que a ignorância aumenta, mas entendi que Rita é tudo o que é frenesi, exagero, idéia fixa, convicção e intensidade. Tudo o que é intenso é Rita. A mente frenética. O ardor no corpo. A vontade de escrever, de mexer na terra, de assobiar até o ar acabar dentro de mim: é Rita. Rita é vermelha. E continua escrevendo as cartas, que eu posto por ela. Seu caderninho fica sempre ao lado do leito. Os homens continuam andando nus por sua casa cheia de espelhos. Por qualquer ângulo, é possível ver sua presença ali. Num relance se vê um ombro e suas arestas, por outro ângulo um tórax mais ou menos delineado. É possível observar muito bem quem são eles, o jeito como eles andam, movimentam o corpo, estufam o peito. É essa a nossa tarefa, minha e de Rita: observá-los e escrever sobre sua anatomia.


Amor.

Porque você tem assim um nome tão impronunciável? Nunca consigo gritar por você à distância – e venhamos e convenhamos você gosta de estar distante, hem? Não sei se é alemão ou russo, enfim... nunca conversamos mesmo. Será que esse é o seu nome verdadeiro? Já ouvi falar de seus truques e artimanhas. Você se esconde. Medo? Precaução? Maldade? Pensei em te chamar de lava ou abismo. Mas precisaria ver seu rosto antes e, quem sabe, se me couber este privilégio, te tocar. Sei que você existe porque alguém te viveu e deixou rastros. Gostaria muito de uma carícia. Enquanto isso te arranjarei uns pseudônimos, uns nomes bíblicos, verossímeis conhecidos: João, Mateus, Tiago. Ou ainda, quem sabe, Afonso, Henrique, Bidu? Como te batismo? O que você prefere?

Responda, por favor.

Sempre sua.

rita (também sou santa).


Augusto.

Pretendo te fazer uma declaração de amor, mas ainda não sei os termos. Penso em ti dizer das ladeiras que subi e da paisagem que é você para mim. Não uma paisagem descartável (de tão perene) como a dos cartões postais. Uma paisagem de beleza verdadeira – frágil e mutável – sabe como é? daquelas que só podem existir quando se fecha os olhos. Paisagem indelével, paraíso de mar azul para onde eu possa voltar sempre, amando mesmo as ondas revoltas, o cabelo agitado pelo vento, as pedras encrustadas de pequenos bichos marinhos. Paisagem incapaz de fotografia. Te farei esta declaração e assinarei com todos os líquidos do meu corpo, sangue e saliva. E não entregarei pelo tempo de uma eternidade, porque tenho muito medo. Muito medo de que você rasgue o papel de carta - com o qual gastei todos os meus últimos séculos para perfumar. Preciso de garantias: acaso você saberia que não se rasga sedas nem cartas? Aí, sim. Sabendo de seu talento para o frágil, eu tomaria providências, e você receberia minha declaração perfumosa. Talvez por correio. Talvez num sussurro. Talvez numa dessas mensagens de megafone, em praça pública. Quem sabe garrafinha de náufrago? Talvez pela moça do supermercado, em meio aos anúncios das ofertas-relâmpago. Talvez em silêncio. Nessa declaração prometida, eu te diria muitas coisas, tais como: amor, amor, amor. E depois: pique-esconde. E te desenharia peles de sapos e te chamaria príncipe, só pra poder rir muito. Falaria dez vezes em verde, e 70 vezes em carmim. Prometeria beijos escandalosos e negaria meus lábios pela décima vez. E diria uma vez por todas sobre minha busca, a grande busca: você dentro de mim.


Bonequito lindo.

É claro, meu anjo, que você tem um lugar aqui nos meus arrepios. Pois não é você que sempre me oferece seu peito? Penso que aí é lugar que eu deveria ficar. Às vezes fico errando por aí e então lembro que peito é lugar seguro. Ou não?

Bem, talvez não. Nada é mesmo muito seguro.

E eu preciso ir, a hora é de ir, como dizem as canções.

Confesso que a dúvida latejou de leve, e eu pensei em ficar, quando você revelou um de seus paradoxos. Eu amo paradoxo! Foi quando eu descobri que, realmente, não dá para confiar na superfície, é necessário, sempre, olhar de novo. Eu, por um triz, tremi de amor quando você me revelou sua vontade, a maior de todas. Vi, vaidosa, você ali me olhando, seus olhos pediam, foi aquele quase clamor: me faça poeta, me faça poeta. Estou me referindo à caneta qe você enfiou no próprio coração, tentativa deslumbrada de fazer a alma soar. Lembra? A música?

Arregalei-me por completo diante de ti naquele momento. Mas, mesmo assim, não consegui me apaixonar.

Escrevo esta carta com bondade extrema, para acalmar uma de suas angústias: parabéns, você também é um mistério. E para dizer que torço para encontrares uma boa moça, eu não pertenço a esta categoria.

Adeus, ou até breve - conforme o destino.


Escrevo rápido, Horácio:

É certo, sei que você leu os meus poemas e encontrou uma bela alma... sim, e daí? Eu me pergunto. E daí? Sobre minha bela alma, eu já sabia...


Bidu querido.

Fiz hoje exame de fezes e sangue, e verifiquei que estou saudável. O sangue continua correndo secreto pelas veias, com todo o colesterol que a ciência lhe permite. Mas que dia a felicidade chegará, correndo no mesmo fluxo?

Esqueça o que os seus olhos veem. Lembre-se: estás diante do que não se conhece. Concentre-se na incógnita e prometa que nunca irás decifrá-la. Ande, prometa: “te respeitarei, incógnita, para que sejas sempre bela.” “Te preservarei, segredo, para que sejas sempre busca.” Eu quero muito que fiquemos juntos porque você tem muita conversa e eu tenho muito silêncio, ficaremos à vontade para sempre. Ou até amanhã.

Te vejo em breve.


Riqueza.

Nós vamos nos encontrar. E eu vou sorrir muito, porque é da minha natureza sorrir. E você vai gostar da minha cintura, porque ela é encantadora. E os meus olhos: “– Seriam eles de que cor?” Você me perguntará interessado.

E eu vou me despir, porque é fácil. E vou movimentar ombros e pernas e meus suaves dedos sem esmalte. Vou sorrir mais vezes ainda, porque sou mesmo educada. E verei que tudo isso é bom. Concordamos, então. Mas (o pessimismo e seus mas), no acorde final, verei que não toquei além de sua pele tão acostumada - apenas - com o nascer da barba. E voltarei para casa sem a droga que buscava ao sair. O frenesi que me prometeste junto ao licor que derramou suave em minha orelha, com olhares de veneno. Voltarei sem o veneno. Pois você, em sua imensa gentileza, me poupa de morrer. E eu, ó ingenuidade das ingenuidades, acreditei mesmo que me matarias de beleza. E buscarei novos frenesis, outras promessas, ópios e mais ópios, de todos os continentes. Até que me quede cansada ao telefone e responda a seu convite, a todos os convites: - Não.

Por falar em relevâncias, revelo: Considero o sideral como uma possibilidade. Sou mesmo estranha.

Beijos estrelados.


Sir. Peterson.

Você é como minha mãe: reza reza reza e comete as maiores perversidades. Não se orgulhe. Esta santidade que você procura se chama mulher. Não é engraçado? Nem precisa frequentar templos para achá-las – se bem que alguns consideram que os bordéis sejam espécies de templo. Esqueça Buda, Krishna, Dalai Lama, Jesus e principalmente a Virgem Maria. Afogue-se no seio mais farto que encontrar, permita que elas escrevam indecências em sua barriga. Você já desenhou com batom? Aposto que não. Beije 21 mulheres por 21 dias. Seu corpo precisa se purificar com o cuspe grudento e pesado das meretrizes. Depois descanse quanto precisar, você se lembrará de sua incapacidade real neste mundo. Aí, sim, volte a rezar para Nossa Senhora.

Amém.


Sir. Joahansen.

Você não veio ao nosso encontro. E eu respirei aliviada. Tenho sede de clareza e você é só charada. Eu preciso de um homem e você é magro como uma mulher. Quero enfrentar minha vida e você é um leão medroso e mal alimentado. Minha criança respira forte no coração a cada passo adulto que eu dou. Enquanto isso, você esbofeteia a vida adulta com um cavalinho de pau. Por que razão marcamos esse encontro? Que bom que não vieste. Não venha. Estou bem assim. Bem, muito bem. Bem demais, meu bem!


Oi, Dé.

Menti para você. Você é bom, sim. E sua anatomia é linda. Ah, e eu adoraria sair com você para ir ao... deixe-me ver... ao parque. Comer algodão doce amarelo. Pode ser amarelo? Ou esta cor é estranha demais para a ideia que você faz de mim? Farei do seu jeito, sou subserviente e dócil. E você vai gostar ainda mais de mim, muito mesmo. Ainda mais quando eu tirar as suas mãos do meu joelho... pensarás: que mulher pura! Trata-se de moça de família! E eu sou mesmo, de um outro jeito, eu diria – você não conhece a minha família, não é mesmo? Tá bom, eu cedo mais uma vez. Aceito o algodão doce cor-de-rosa. Para que brigar? Eu não brigo, pelo menos até quinta. Não fique triste. Não tenho péssimas memórias de você. São só memórias... ruins. Ruins. Péssimas não. Vou ao encontro, deixo a conta para você, pois sei que isto te faz feliz, e eu estou meio sem dinheiro. Em troca, ganharei só uma coisinha: a possibilidade de ver que eu estava mesmo certa. Você não presta para mim. Na minha ciência, os opostos se repelem. Essa carta é bem engraçada, não é mesmo? Espero que você ria. Um beijo.


Medusinha linda.

Explico: houve um momento em que, de repente, seus cabelos longos se soltaram medusamente. Você não viu porque seu corpo não estava onde eu estava, é a física. Achei tão horrível que só pude mesmo gargalhar, mas por fora fiquei séria, como você sabe. E aí foi tudo como de costume, beijos, carícias, essas coisas banais de amantes. O extraordinário (ai, que eu me mato por segundos de extraordinário) foi mesmo o desenlace da fita nos cabelos e a Medusa repentina. Eu sonho todos os dias com esta imagem. Mas não devaneio muito, porque tenho horário. E se tivéssemos um bebê? Teria ele cabelos de medusa? Como eu poderia dar à luz? Mas abortei... Era só mais um devaneio breve. Tenho uma ideia: vamos namorar de sério? A condição é difícil de se cumprir como toda escolha: quero você sóbrio e de roupa. Sempre. Pelo menos sempre que puder. Aí eu te amarei (isso não é uma promessa).

Tchau!


Lindinho.

Poderia te chamar de chuchu, meu anjo ou gracinha, mas não sou tão legal quanto os clichês. Então prefiro te dizer que estou sem palavras. Mas ainda assim eu gostaria muito de te nomear. Para isso, teríamos que saber o que um e outro come às terças-feiras à tarde, mas eu sempre te vejo aos domingos... Você aceitaria morar comigo por três dias? Eu te devolvo depois. Para o mundo que você conhece e que me parece tão bom. A minha oferta é que você entre aqui em casa, nesta casa que é também corpo, sabe?, mas uma entrada sem sexo – é só afeto. Afeto tão bom, leve. Mais que isso pode ser invasão. E minha proposta não envolve invasão, até agora só falei em rapto. Ah, não falei ainda? É que se você não vier por esses três dias, eu poderia te raptar. É uma ideia agressiva que tive aqui. Mas as mãos são minhas, os dedos, as pontas, e eu posso tirar quando eu quiser. Mãos ao alto!, e você estará livre do meu mundo. Casa. Corpo. Me desculpe. Não era nada disso que eu queria dizer.

Com amor e pitadas de sal, rita.


Romeu do meu coração.

Não quis te assustar com poesia – se ao menos você estivesse com soluço, a poesia serviria para algo. Neste caso não serve para nada. Não fuja. Eu só disse que meu pensamento se volta para o lado em que você está, às vezes. Não é nada grave. Não morreremos disso. Entenda: não é desdém, é que poesia é fácil pra mim. Não me dei ao trabalho... foi como mato. Fácil. Simples. Inútil. Como dizer: meu amor! Como dizer: te quero! Como dizer: para sempre! Viu? Eu disse e acabou. É assim que as coisas funcionam também com as minhas palavras de poesia. São falsas como as suas. Continue aqui me beijando, sem susto. Pelo tempo que demore o sabor. Talvez seja tempo que traga paixão. Talvez não. Pra mim já foi poético.


Magno.

Minha bússola segue muitos magnetismos e por um tempo você foi Norte, justamente quando eu estava sem caminho. Fique aí queitinho. Continue. Eu te beijarei e irei para outro Norte, o mundo é grande. Nos veremos no inverno, quando a terra tiver dado toda a sua volta e os polos mudarem de lado. Outras atrações.

Um beijinho desnorteado.


Bárbaro de mi vida,

Ah, não. Você só é possível porque está longe. Por isso suma de minhas vistas. Não quero a sua terra firme. E digo que poderia sentir firmeza, caso você não fosse navegar para o Sul logo pela manhã. É isso. Tenho detestado as possibilidades de minha terra, mas também não quero quem voe com tanta facilidade. Eu gostei do seu jeito leve de falar e quase me apaixonei quando você disse ter visto um gato perdido próximo ao banheiro. E era filhote. Nunca vi um homem que observasse filhotes. Tá certo que conheço bem poucos. Homens. Gatos eu conheço vários. Serei fadada a ser próxima de cachorros? Não. Recuso com veemência. Ainda conhecerei alguém com sua sensibilidade, alguém que esteja por perto. Torça por mim, tá? E boa viagem!


Elias.

Outro dia, era noite, encontrei o homem mais fresco que é possível, ele não suportava os fios que se soltavam de meu cabelo e interferiam em sua camisa branca. Era você. Irritava-se ao sentir que minha pele possuía flacidez. Pensei: coitado, talvez ele deseje abraçar um homem careca. E nisso eu não sei como ne transformar, mesmo com toda a minha capacidade de metamorfose. Aí eu fiquei mais miúda, mais miúda, entristeci, confesso, e sumi. Com meus paninhos nas mãos. Com muitas canções na cabeça. Se eu pudesse, eu juro, eu te arranjava um homem careca, Elias, mas sei que meu pai não serviria. Arranje um. E seja feliz.


Oh, baby, baby,

It’s a wild world, né? Você me mandou um beijo e se esqueceu do abraço: beijo sem abraço não é nada para mim, vale pouquíssimo. Aí, quando nos encontramos, você soube da minha fraqueza e me abraçou apenas. E eu fiquei ali, sem beijo. A boca desocupada de palavras e saliva. Aí sim estive emudecida em seus braços. É claro que me apaixonei. Como não? Foi quando tive a revelação de nossa diferença: abraço para você não custa nada! É como água. Igual é a poesia para mim, faço para qualquer um, para um mendigo, um desconhecido da rua, faço sem alma nenhuma. Mas eu podia jurar, com todas as convicções, que sua alma esteve ali por alguns segundos. Há sempre enganos nessa vida, não é mesmo?


Graciosíssimo amor meu.

Não estou. Digo que não estou. Não respondo mensagens. Saio por aí. Emito monossílabos com entusiasmo para te confundir. Cultivo um mistério. E mais misteriozinhos, tolos e fáceis pra quem é mulher. Eu queria ser justa, mas sei jogar sujo – é claro.

Me diga com sinceridade: você quer mesmo que eu te aniquile? Não responda agora. Pense com calma, ainda há a opção de ficarmos juntos e construir uma casa com varanda e tapetes de penas de uirapuru.

beijos apaixonados da sempre sua senhorita rita.


Confira:

seção dos amores imaginários ou concretos demais 1

3 comentários:

  1. Faz dias que eu tento escrever algo minimamente decente aqui, mas eu acabei por perceber que, realmente, não posso enfiar uma caneta no peito.

    Obrigado pela torcida, e saiba que também torço para que um verdadeiro poeta (não aquele que escreve poesias, mas o que as vive) possa se tornar seu marido sem deixar de ser seu namorado (segundo seu dicionário de exatidões) e, se algum dia, o destino fizer de mim tal pessoa, pedirei que mude seu conceito de "boa moça".

    Enquanto este dia não chega (se é que vai chegar), agradeço-te pelas memórias, essencialmente boas, e digo-te adeus e até breve.

    PS: fico lisonjeado pelo "ito"

    ResponderExcluir
  2. Yeah! Adorei. No que me serviu a carapuça (metido a besta que sou), seguirei os místicos e extáticos conselhos.

    Texto lindo e corajoso.

    ResponderExcluir
  3. Observações:
    Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a vida real é mera ooincidência.
    Rs!

    ResponderExcluir

Well... vejamos... eu poderia dizer que...
Fiquem à vontade!