23 de set. de 2010

incomunicável 2

não há absolutamente nada que eu possa dizer
porque tudo já foi dito.
isto inclusive já foi dito:
qual poeta nunca disse que estava sem palavras?
quem nunca parou, brusco ou delicado, diante da parede do incomunicável?
Ah, minha amiga Amana, pudéssemos nós duas com dedos mágicos apontar: é isso, é isso, é isso,
que eu estou dizendo sentindo fazendo.

inútil, porque todas as palavras já foram ditas e até hoje ninguém entendeu.
todas as cores já foram reconhecidas pela limitada retina humana
e continuaram insuficientes.
e veja: todos os sons, até mesmo murmúrios, até mesmo grunhidos, que já passaram pela glote
e, hoje em dia, o som tão articulado...

quanta técnica vocal já se gastou
quanto fonoaudiólogo
quantos mestres da expressão corporal

e haja papel, e haja película de cinema e tantas fotografias...
e o tato: da mão na pele do rosto, do rosto na pele das coisas, das coisas sentindo o ar.
e sim, já inventaram a telepatia! Está nos livros.

E a humanidade:

o fracasso.
vejam pois aquela foto em que certo presidente oferece a mão para um aperto cordial e o outro declara a guerra.

inútil
insuficiente
incomunicável

eis o fracasso comprovado
há já milênios de humanidade

ainda nos resta uma chance?
nem todos os silêncios foram ainda instaurados.

11 de set. de 2010

minhas flores

Houve uma vez que fiquei 5 dias sem regar as plantas. E quase morri de tristeza quando percebi que talvez as veludinhas (como chamo as lindas folhagens de veludo que ficam misturando vermelho e verde no fundo do quintal) talvez não sobrevivessem tamanha era a falta de viço. Reguei muito e em dois dias elas estavam valentes de novo. Agradeci à sorte de manter um pouco mais aquela beleza que nunca me pertenceu mesmo. Prometi regar com rigor, o que não faço. Agradeci ao tempo e sua capacidade de retorno e destruição, e vice-versa. Acreditei que nós, flores e pessoas, precisamos dessa água ou desse amor, que são inconstantes e susceptíveis de ausência. Acreditei também que é nessas belezas e fracassos que a gente pode ao menos um pouquinho se comunicar com o cosmos, pois acredito mesmo que entre eu e ele há sim algo a se dizer - digo antes da morte, pois depois dela a comunicação é mesmo absoluta.
(Ah, essa frase é bem engraçada: o que lá sei eu sobre a morte?)

9 de set. de 2010

lance

Raio de luz
Ele era um homem bonito, com um tigre na barriga. E que possuía alguma coisa de dourado ou luminoso nos pelos do peito, nos pelos dos olhos, nos pelos das pernas. E o cabelo.
Ele fazia exatamente como todos os homens que senhorita rita conhecia até então: olhava para ela como se fosse capaz de dizer toda a verdade do mundo, mas isso não era verdade. Não mesmo. Senhorita descobrira que aquele olhar carregava outra coisa, uma coisa assim muito simples: era nada.
Sim, ele era um homem como qualquer outro: bonito de tigre e com aquele olhar tão lindo por nada, que queria dizer apenas uma única coisa: estou te olhando.
Na verdade; isso, senhorita rita ainda não aprendeu mas está quase por aprender. Ela ainda insiste em encontrar uns tais significados ocultos, encondidos em algum lugar. Sua supeita é que o segredo se oculte nos fios da barba. Por isso arranca tantos fios, despistadinho, como se fosse um carinho (ela despista porque algumas pessoas sentem grande vergonha de procurarem sinais do oculto).
Os medos de rita
No que diz respeito ao amor, o segundo medo maior de senhorita rita é este: irritar a calma do olhar do homem com uma paisagem feia de ser. Por isso se banha intensamente em perfumes liquefeitos ou vaporosos, corta as unhas e amacia o couro para dormir. Garante sempre a mais sedosa companhia para seu amado. Mas o seu maior cuidado são as leituras: ela se obriga a ler todos os dias pelo menos 29 folhas de pitangueira, 8 pedras e 3 grãos de areia. Lê, lê, lê, porque quer mesmo absorver e irradiar as mais variadas paisagens em seus olhos. Esses cuidados são mesmo imprescindíveis porque senhorita rita não é bonita, e daí que ela se cuida tanto e raspa tanto a pele com pedras poemas, para ver se saí daí alguma talvez delicadeza definitiva.
O primeiro medo: é que o olhar da pessoa amada não contenha perguntas, que seja só um olhar de pessoa terna e bondosa (senhorita rita prefere as pessoas ternas e bondosas, apesar de ter amado no passado um avestruz).
- Mas, infelizmente, olhar de pessoa terna e bondosa não serve para o amor - ela diz às vezes.
Mais uma vez o homem do tigre
E ela então insiste insiste e insiste em olhar no fundo dos olhos daquele homem pré-amado, de cílio dourados, vermelhos e castanhos - o tigre. Procurando uma resposta, uma resposta, uma resposta. Mas até hoje ela ainda não encontrou a pergunta.
Ela continua puxando os fios da barba, continua com as leituras, continua olhando fundo, mas a ela parece que estamos ainda no campo ordinário dos olhares que olham.
O futuro
Um dia seu amado vai chegar com uma surpresa: a barba ausente, completamente raspada, e ela constatará atônita:
- Não tem nada aí!
E se sobressaltará numa conclusão eufórica: era isso então? Os olhos, o nada, a simplicidade. Era esta a grande pergunta, o sinal procurado: você suporta o nada?
E não haverá afinal mais além disso - a não ser o amor.

7 de set. de 2010

O amor que sinto é uma sede de oferecer água.