24 de jul. de 2010

o que parece ser é o que é

Uma reunião secreta. Não exatamente secreta, mas as pessoas (eu inclusive) foram convocadas para aquele lugar sem saber qual seria o real motivo da reunião. O lugar era uma escola (onde trabalhei há alguns anos atrás). No meu caso, me chamaram para dar uma aula, algo como uma substituição. E, na sala dos professores, eu me deparei com meu pai, minha mãe, minha tia e um advogado (alguém com força de jurisdição a quem chamarei aqui de advogado). Fiquei curiosa para saber o que teria sido dito ao meu pai e à minha mãe para que eles se convencessem de que deveriam comparecer àquele lugar, porque, se tivessem dito o real motivo para o qual fomos convocados, eles certamente não iriam.
E o real motivo para o qual fomos convidados para aquela reunião secreta era este: íamos enfrentar os problemas que nos impedem de sermos felizes.
A reunião começou, primeiro falavam de assuntos burocráticos, um tal testamento, uma herança. Assuntos difíceis de se resolver.
Num momento de impasse, em que se especulava se outros parentes aceitariam assinar alguns documentos, meu pai, até então calado, disse uma frase: O que parece ser é o que é. Mas aí a reunião começou a revelar os seus verdadeiros propósitos:
– Vocês são felizes? Por que continuam juntos? – o advogado perguntou à minha mãe e ao meu pai. Os protagonistas da história.
Fiquei pequena na cadeira, como me acostumei a fazer desde pequena. Na minha casa, esse assunto da felicidade conjugal é um daqueles assuntos intocáveis, intratáveis, tensos.
Minha mãe começou a falar histericamente, tirava muitas coisas da bolsa, papeizinhos e pequenos objetos, e colocava na mesa, como se, com isto, quisesse dizer que ela tinha algo a oferecer, que não estava vazia na relação, que ela fazia esforços para que desse tudo certo. Eu entendia isso porque me esforçava em amor, mas sua linguagem era incompreensível.
Meu pai se levantou e saiu.
Eu olhava com medo as explosões, e sentia que devia dizer algo, que agora eu precisava dar a minha opinião sobre a vida deles. Levantei num ímpeto, atrás do meu pai, e disse, em voz alta, a frase certa:
– Pai, o que parece ser é o que. E está me parecendo covardia.
Meu pai continuou andando, calado e irritado, sumiu nos corredores. E eu sentei-me de novo, triste com a impossibilidade de se resolver aquela história de desamor.
Mas a minha ação surtiu algum efeito: meu pai voltou, calado ainda, e se dispôs a se sentar à mesa, e debater o tema da reunião: o que nos impede de sermos felizes.
Nada se resolveu naquele dia, mas já houve uma mudança. Especialmente da minha parte, pois que tive coragem de dizer o que me atormentava. Parece também que neste momento eu fiz a escolha por qual herança quero que seja a
minha: felicidade é ela.

6 comentários:

  1. Li o texto num ímpeto só. Sua escrita é assim, vai nos afogando até que no final temos uma ótima sensação de alívio, como quem alcança o oxigênio depois de muito tempo imerso em água.

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  2. uau! obrigada pelo elogio, ainda mais vindo,assim, de um poeta! :) Esse texto é um relato de um sonho que tive. bjs.

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  3. perfeito!

    assim na terra como no céu assim no sonho?

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  4. forte esse, heim? dá vontade de ver no vídeo em cores reais...

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  5. "Li, reli, treli".
    Muito legal esse texto, de verdade, muito bem escrito!

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Well... vejamos... eu poderia dizer que...
Fiquem à vontade!