19 de jun. de 2009

Diga que eu vou me casar

Quero levar minha noiva
Quero estarzinho com ela
numa casa de morar
com porta azul piquininha
pintada a lapis de cor

Quero sentir a quentura
do seu corpo de vaivém
Querzinho de ficar junto
quando a gente quer bem bem

[...]

Quero uma rede bordada
com ervas de espalhar cheiroso
e um tapetinho titinho
de penas de irapuru

Haverá muita festa
durante sete luas sete sóis

(Cobra Norato, Raul Bopp)

11 de jun. de 2009

Eu também sempre me pergunto...

Por que choram tanto as nuvens
e cada vez são mais alegres?

As lágrimas que não se choram
esperam em pequenos lagos?

Quem gritou de alegria
ao nascer a cor azul?

Contaram o ouro que tem
o território do milho?

De que ri a melancia
quando a estão assassinando?

Como repartem o sol
na laranjeira as laranjas?

O 4 é 4 para todos?
São iguais todos os setes?

A quem posso perguntar
o que fazer neste mundo?

Ou não será a vida um peixe
preparado para ser pássaro?

Se as moscas fabricam mel
ofenderão as abelhas?

Onde vão as coisas dos sonhos?
Vão para os sonhos dos outros?

Pablo Neruda. Livro das perguntas (fragmentos).

10 de jun. de 2009

A ema e meu amor


Havia uma raposa e seus dentes terríveis. Um súcubo saído de uma estátua antiga que agora se arvorava contra mim.
Só eu poderia vencê-la, mas eram tantas ardilosidades... Tantos dentes maiores que a boca... Que eu me apavorei. E disse: basta! Com ferros na mão, tentei interromper a ferocidade de suas mandíbulas, não cheguei perto, apenas – distancia de um cabo – estoquei, estocadas firmes, até chegar em sua goela. Era tudo inútil e temporário, a qualquer momento ela poderia triturar aqueles ferros e sair ilesa, cheia de saliva. Muito medo eu sentia daquele que era todo fera. Quase não via raposa, e, curiosamente, não via o branco, mas o vermelho além dos dentes: língua, sangue, desejo.
Num passe de mágica, eu venci. Sumiram raposa, boca e ferros.
E de repente alguém disse: – Não respire. Eu ri.
– Não respire. Foi ríspida comigo a voz, e eu vi que era sério. Fiz uma concessão à vida: respiraria escondida. Ninguém veria a desobediência, nenhum animal feroz poderia farejar a minha presença naquela selva – pois estávamos em uma selva.
O perigo era dos instintos, qualquer movimento (fosse o da respiração) faria ruído e dispersaria cheiros, e os leões e hienas e tantos outros bichos desejavam demais a minha carne branca e rosa. Não respirei. Ou, antes, respirei apenas o que era permitido, um mínimo de ar. Proteção.
Vi que precisava muito menos de ar do que eu pensava, a vida não estava nos pulmões naquele momento das feras. Medi os palmos de meu diafragma com os olhos fechados.
Mas o perigo se matinha, sobretudo. Havia o perigo das aves. Sim das aves. Como a avestruz – na verdade era uma Ema.
– Cuidado com a Ema.
Olhei bem. Os animais solenes, enfileirados, num alto da planície – ah, era selva. E os animais não ameaçavam ninguém e até provocavam a minha simpatia.
– Cuidado com a ema.
Argumentei:
– Mas eu já venci a raposa. E fiquei sem respirar. O que uma ema pode me fazer?
Loucura... a ema parecia ser mesmo o animal mais perigoso de todos. Todos sabiam. Eu não.
Franzi a testa.
– Como?
– Você não está vendo. Basta vê-las, lá. Me disse o homem, porta-voz do pensamento da multidão que me acompanhava.
Agora, todos duvidavam da minha capacidade de guia. Eu venci a raposa, estava certo, mas desconhecia o perigo da ema. Eu era alvo de piedade e ridicularização. Quase podia escutar os risos, ririam se não fosse a floresta e sua ordem de silêncio.
– Veja por outro lado – me disseram repletos de dó.
Eu continuava com a testa franzida, teimando em não ver perigos.
– Veja no fundo. Veja as penas do rabo.
– Qual é o perigo? Fazia esforço desesperado para me lembrar das aulas de biologia (nenhum livro me avisava para ter cuidado com emas.) Ema... porque elas nos perseguiriam? Não temos nada para elas... nem contra elas...
Não aguentando de dó, como se conversasse com uma filha, o porta-voz explicou:
– Seu corpo é capaz de nos empurrar com mais força que um elefante.
Nenhum professor havia me dito isso. Mas me parecia verdade. O mundo animal é sempre tão espantoso – lembrei dos documentários da TV.
– A queda é mais destrutiva que o golpe de um leão.
Era tudo claro demais para ser mentira. Parecia que eu sempre soubera daquelas verdades ocultadas até ali, pois era tudo tão familiar.
– Estranho.
Acreditei e obedeci, passei a léguas da ema. E me afastei de todos e de suas revelações incômodas. Precisava seguir sozinha a partir dali. E respirar todo o ar pleno que me fosse destinado.
Preocupei-me mais uma vez com o perigo. A ignorância sobre os perigos do mundo.
– Que mundo é este que não nos informa sobre a que estamos sujeitos em um encontro com uma ema? Pior que um elefante... Pior que um leão... Devia ser uma obrigação do governo.
Disse com o peso das idiotices adultas.
Olhei para todos com expressão séria, concentrada. Que ficasse claro que eu sabia – agora sim – dos perigos da natureza. Que não rissem. Que não rissem nunca mais. Que não rissem nem escondido.
Afastei-me. A multidão me olhava, também séria. Era tudo sério demais. Tratava-se da sobrevivência. Mas eles balançavam a cabeça, vislumbraram (eu não) que eu ainda não havia entendido por inteiro aquela ema. Acreditei no perigo e me afastei por obediência às vozes, que me pareceram sábias, mas eu ainda não havia visto o outro ângulo. O outro lado que sempre há, em tudo. Só eu não via. Era preocupante.
Não havia compreendido o perigoso ame, que havia naquela ema. Pior que um leão. Mais forte que um elefante.