Bye bye, blackbird
Alguns tipos de gente amam pássaro preto. Costuma ser gente que trabalha como mecânico ou borracheiro. Talvez as penas pretas, o óleo, a borracha do pneu... O fato é que observei que muitos mecânicos e borracheiros mantêm algum pássaro preto, numa gaiola triste, e têm lembrança de um tempo em que eles cantavam o mais belo canto. É isso que eles dizem: – O pássaro preto tem um canto magnífico. Talvez eles não utilizem o termo “magnífico”, mas "magnífico" equivale à opinião que eles têm do canto do pássaro. Gaiolas, jiló, forro de jornais... O pássaro magnífico - que eu particularmente sempre achei muito sem graça.
Na minha família, não há mecânicos nem borracheiros, mas houve certa vez um pássaro preto. Na casa dos meus avôs. Um pássaro preto numa gaiola. Lembrei disto ontem, ao me deparar com um deles, dando pulos aflitos em uma gaiola pequena demais para voo.
Eu era pequena, tanto. Na casa do meus avôs. E passava algumas horas conversando com minha avó, que por algum motivo que eu não conhecia – achava que essa devia ser alguma característica particular das avós – não andava. Eu olhava o pássaro preto e nunca tinha ouvido ele cantar. Até entendia o vizinho, que aprisionava periquitos e outras aves amarelas e lindas, mas não entendia porque manter um pássaro preto, triste, na gaiola, comendo aquele jiló tão desagradável.
– Minha avó, pra que serve este pássaro preto, aqui?
– Os pássaros pretos são muito estimados.
– Por quê?
– Eles têm um magnífico canto.
Não respondi imediatamente. Primeiro eu fiz um "ah". Mas, depois de muitas visitas à minha avó que não andava, depois de muito observar o pássaro preto, que não fazia nada, nem mesmo podia ser acariciado, como qualquer outro bicho das estimações, eu disse:
– Nunca ouvi ele cantar.
– É que quando o bicho fica preso assim muito tempo, ele esquece como é cantar. Mas ele já cantou. Muito bonito. É um canto triste.
Observei o bichinho na gaiola, muitos fins de semana. Sempre mantive uma distância considerável, tinha muito medo que ele me bicasse, meus dedos de 6 anos. Pensando, pensando, concluí o óbvio:
– É maldade prender o pássaro preto. Por que nunca ninguém aqui soltou o pássaro preto? Por que o vovô, ou mesmo a senhora quando andava, nunca soltou o pássaro preto? Por que esta maldade? Vocês, meus avôs, minha família, não podem concordar em deixar um pássaro preto preso, ao preço de ele ficar tão triste que nunca mais vai cantar... Eu posso soltar ele agora.
– Não. – Minha avô disse enfática e meio divertida com a minha vontade. Ela estava à beira da morte e sabia bem quem eu seria. – Ele vai morrer, ele já é bobo agora. Não sabe procurar comida, não sabe se defender. Ele seria comido por gato. Ele agora tem que ficar preso.
O que mais me preocupa nesta história é que esta justificativa não fez sentido para mim. Como ela podia saber o que aconteceria se ninguém nunca tinha soltado um para ver? Talvez ele voasse, feliz, lépido, e comeria frutas, e sei lá mais o quê... mantê-lo preso porque ele era bobo? Não fazia sentido.
Não fazia sentido, mas, enquanto houve aquele pássaro preto na gaiola, eu nunca abri a portinha. E me pergunto: Por quê? Por que eu não desobedeci às orientações? Que sabedoria haveria nas palavras de minha avô? Quantos pássaros pretos precisam morrer de tristeza para a gente abrir a portinha e tentar o voo?
Alguns tipos de gente amam pássaro preto. Costuma ser gente que trabalha como mecânico ou borracheiro. Talvez as penas pretas, o óleo, a borracha do pneu... O fato é que observei que muitos mecânicos e borracheiros mantêm algum pássaro preto, numa gaiola triste, e têm lembrança de um tempo em que eles cantavam o mais belo canto. É isso que eles dizem: – O pássaro preto tem um canto magnífico. Talvez eles não utilizem o termo “magnífico”, mas "magnífico" equivale à opinião que eles têm do canto do pássaro. Gaiolas, jiló, forro de jornais... O pássaro magnífico - que eu particularmente sempre achei muito sem graça.
Na minha família, não há mecânicos nem borracheiros, mas houve certa vez um pássaro preto. Na casa dos meus avôs. Um pássaro preto numa gaiola. Lembrei disto ontem, ao me deparar com um deles, dando pulos aflitos em uma gaiola pequena demais para voo.
Eu era pequena, tanto. Na casa do meus avôs. E passava algumas horas conversando com minha avó, que por algum motivo que eu não conhecia – achava que essa devia ser alguma característica particular das avós – não andava. Eu olhava o pássaro preto e nunca tinha ouvido ele cantar. Até entendia o vizinho, que aprisionava periquitos e outras aves amarelas e lindas, mas não entendia porque manter um pássaro preto, triste, na gaiola, comendo aquele jiló tão desagradável.
– Minha avó, pra que serve este pássaro preto, aqui?
– Os pássaros pretos são muito estimados.
– Por quê?
– Eles têm um magnífico canto.
Não respondi imediatamente. Primeiro eu fiz um "ah". Mas, depois de muitas visitas à minha avó que não andava, depois de muito observar o pássaro preto, que não fazia nada, nem mesmo podia ser acariciado, como qualquer outro bicho das estimações, eu disse:
– Nunca ouvi ele cantar.
– É que quando o bicho fica preso assim muito tempo, ele esquece como é cantar. Mas ele já cantou. Muito bonito. É um canto triste.
Observei o bichinho na gaiola, muitos fins de semana. Sempre mantive uma distância considerável, tinha muito medo que ele me bicasse, meus dedos de 6 anos. Pensando, pensando, concluí o óbvio:
– É maldade prender o pássaro preto. Por que nunca ninguém aqui soltou o pássaro preto? Por que o vovô, ou mesmo a senhora quando andava, nunca soltou o pássaro preto? Por que esta maldade? Vocês, meus avôs, minha família, não podem concordar em deixar um pássaro preto preso, ao preço de ele ficar tão triste que nunca mais vai cantar... Eu posso soltar ele agora.
– Não. – Minha avô disse enfática e meio divertida com a minha vontade. Ela estava à beira da morte e sabia bem quem eu seria. – Ele vai morrer, ele já é bobo agora. Não sabe procurar comida, não sabe se defender. Ele seria comido por gato. Ele agora tem que ficar preso.
O que mais me preocupa nesta história é que esta justificativa não fez sentido para mim. Como ela podia saber o que aconteceria se ninguém nunca tinha soltado um para ver? Talvez ele voasse, feliz, lépido, e comeria frutas, e sei lá mais o quê... mantê-lo preso porque ele era bobo? Não fazia sentido.
Não fazia sentido, mas, enquanto houve aquele pássaro preto na gaiola, eu nunca abri a portinha. E me pergunto: Por quê? Por que eu não desobedeci às orientações? Que sabedoria haveria nas palavras de minha avô? Quantos pássaros pretos precisam morrer de tristeza para a gente abrir a portinha e tentar o voo?
Genial! Adoro textos que remontam a infância.
ResponderExcluir