3 de jul. de 2010

Eva, não traga serpente

eu era mais bonita, mais jovem e mais inteligente
e construí um reino de poder legítimo

sua cama era a praça onde eu levava meu guerreiros para vencer as batalhas
meu grito de guerra eram sussurros ao pé do ouvido
minha lança, projetada à distância, era o olhar

a cada vitória - tão certa como a noite que mais nos encobria do que lençóis -,
comemorávamos (eu e meus soldados)
com o vinho dos bárbaros


e você dormia fatigado
alheio a tudo isto que revelo agora


sempre soube como me purificaria caso me ferisse
eu era só valentia - sem temor

caso me ferisse eu me purificaria:
congelei em temperaturas só possíveis na modernidade
duas gotas de lágrima verdadeira
- do tempo em que eu chorava

eu reinava linda, jovem e vigorosa
no meu reino de poder

pisava em seus ombros com pés macabros
ria de cada fio de barba que eu arrancava com tratores.

Daí, cansei de tudo isto.

Ri minha última gargalhada infame
e em silêncio derramei dois cálices de lágrimas quentes em seu peito aberto
para o bem da cura e transformação

foi o primeiro passo que dei para me tornar mulher
e continua

Hoje não construo mais reinos
e procuro uma comunidade que não existe
não acredito em poder
e não lanço nada disto que uma mulher pode se acostumar a lançar por conveniência:
fio de cabelo, echarpes por sobre o pesoço, borrifadas de perfume

meu olhos gostam de ficar fechados
minha boca só abre se for em frestas
absorvo a bondade
amo o simples
e aproveito cada gota de silêncio que alguém me oferecer por amor.

Um comentário:

  1. acho que a gente admira os escritores que soam bem dentro da gente. ler é criar uma voz interior, num é?
    eu gosto muito da voz que eu crio com seu texto, uma voz de mulher que eu admiro muito!

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Well... vejamos... eu poderia dizer que...
Fiquem à vontade!