31 de jul. de 2010
26 de jul. de 2010
Indiana Jones
a parte interna da boca
o que é a boca goela abaixo
a bochecha por dentro
os lábios por dentro
a linha fina que separa a boca por dentro e a boca por fora
Tudo isto percorreste, não foi, navegador de desertos?
24 de jul. de 2010
o que parece ser é o que é
E o real motivo para o qual fomos convidados para aquela reunião secreta era este: íamos enfrentar os problemas que nos impedem de sermos felizes.
A reunião começou, primeiro falavam de assuntos burocráticos, um tal testamento, uma herança. Assuntos difíceis de se resolver.
– Vocês são felizes? Por que continuam juntos? – o advogado perguntou à minha mãe e ao meu pai. Os protagonistas da história.
Fiquei pequena na cadeira, como me acostumei a fazer desde pequena. Na minha casa, esse assunto da felicidade conjugal é um daqueles assuntos intocáveis, intratáveis, tensos.
Minha mãe começou a falar histericamente, tirava muitas coisas da bolsa, papeizinhos e pequenos objetos, e colocava na mesa, como se, com isto, quisesse dizer que ela tinha algo a oferecer, que não estava vazia na relação, que ela fazia esforços para que desse tudo certo. Eu entendia isso porque me esforçava em amor, mas sua linguagem era incompreensível.
Meu pai se levantou e saiu.
Eu olhava com medo as explosões, e sentia que devia dizer algo, que agora eu precisava dar a minha opinião sobre a vida deles. Levantei num ímpeto, atrás do meu pai, e disse, em voz alta, a frase certa:
– Pai, o que parece ser é o que. E está me parecendo covardia.
Meu pai continuou andando, calado e irritado, sumiu nos corredores. E eu sentei-me de novo, triste com a impossibilidade de se resolver aquela história de desamor.
Mas a minha ação surtiu algum efeito: meu pai voltou, calado ainda, e se dispôs a se sentar à mesa, e debater o tema da reunião: o que nos impede de sermos felizes.
Nada se resolveu naquele dia, mas já houve uma mudança. Especialmente da minha parte, pois que tive coragem de dizer o que me atormentava. Parece também que neste momento eu fiz a escolha por qual herança quero que seja a minha: felicidade é ela.
22 de jul. de 2010
mag mag magnólia
21 de jul. de 2010
será que existe ponte?
.....intransponível
EuuuuuuvoooooocÊ
.....compartilhar
16 de jul. de 2010
memória 4
Alguns tipos de gente amam pássaro preto. Costuma ser gente que trabalha como mecânico ou borracheiro. Talvez as penas pretas, o óleo, a borracha do pneu... O fato é que observei que muitos mecânicos e borracheiros mantêm algum pássaro preto, numa gaiola triste, e têm lembrança de um tempo em que eles cantavam o mais belo canto. É isso que eles dizem: – O pássaro preto tem um canto magnífico. Talvez eles não utilizem o termo “magnífico”, mas "magnífico" equivale à opinião que eles têm do canto do pássaro. Gaiolas, jiló, forro de jornais... O pássaro magnífico - que eu particularmente sempre achei muito sem graça.
Na minha família, não há mecânicos nem borracheiros, mas houve certa vez um pássaro preto. Na casa dos meus avôs. Um pássaro preto numa gaiola. Lembrei disto ontem, ao me deparar com um deles, dando pulos aflitos em uma gaiola pequena demais para voo.
Eu era pequena, tanto. Na casa do meus avôs. E passava algumas horas conversando com minha avó, que por algum motivo que eu não conhecia – achava que essa devia ser alguma característica particular das avós – não andava. Eu olhava o pássaro preto e nunca tinha ouvido ele cantar. Até entendia o vizinho, que aprisionava periquitos e outras aves amarelas e lindas, mas não entendia porque manter um pássaro preto, triste, na gaiola, comendo aquele jiló tão desagradável.
– Minha avó, pra que serve este pássaro preto, aqui?
– Os pássaros pretos são muito estimados.
– Por quê?
– Eles têm um magnífico canto.
Não respondi imediatamente. Primeiro eu fiz um "ah". Mas, depois de muitas visitas à minha avó que não andava, depois de muito observar o pássaro preto, que não fazia nada, nem mesmo podia ser acariciado, como qualquer outro bicho das estimações, eu disse:
– Nunca ouvi ele cantar.
– É que quando o bicho fica preso assim muito tempo, ele esquece como é cantar. Mas ele já cantou. Muito bonito. É um canto triste.
Observei o bichinho na gaiola, muitos fins de semana. Sempre mantive uma distância considerável, tinha muito medo que ele me bicasse, meus dedos de 6 anos. Pensando, pensando, concluí o óbvio:
– É maldade prender o pássaro preto. Por que nunca ninguém aqui soltou o pássaro preto? Por que o vovô, ou mesmo a senhora quando andava, nunca soltou o pássaro preto? Por que esta maldade? Vocês, meus avôs, minha família, não podem concordar em deixar um pássaro preto preso, ao preço de ele ficar tão triste que nunca mais vai cantar... Eu posso soltar ele agora.
– Não. – Minha avô disse enfática e meio divertida com a minha vontade. Ela estava à beira da morte e sabia bem quem eu seria. – Ele vai morrer, ele já é bobo agora. Não sabe procurar comida, não sabe se defender. Ele seria comido por gato. Ele agora tem que ficar preso.
O que mais me preocupa nesta história é que esta justificativa não fez sentido para mim. Como ela podia saber o que aconteceria se ninguém nunca tinha soltado um para ver? Talvez ele voasse, feliz, lépido, e comeria frutas, e sei lá mais o quê... mantê-lo preso porque ele era bobo? Não fazia sentido.
Não fazia sentido, mas, enquanto houve aquele pássaro preto na gaiola, eu nunca abri a portinha. E me pergunto: Por quê? Por que eu não desobedeci às orientações? Que sabedoria haveria nas palavras de minha avô? Quantos pássaros pretos precisam morrer de tristeza para a gente abrir a portinha e tentar o voo?
13 de jul. de 2010
seção dos amores imaginários ou concretos demais - parte 2
Cada
Amor.
Porque você tem assim um nome tão impronunciável? Nunca consigo gritar por você à distância – e venhamos e convenhamos você gosta de estar distante, hem? Não sei se é alemão ou russo, enfim... nunca conversamos mesmo. Será que esse é o seu nome verdadeiro? Já ouvi falar de seus truques e artimanhas. Você se esconde. Medo? Precaução? Maldade? Pensei em te chamar de lava ou abismo. Mas precisaria ver seu rosto antes e, quem sabe, se me couber este privilégio, te tocar. Sei que você existe
Responda, por favor.
Sempre sua.
rita (também sou santa).
Augusto.
Pretendo te fazer uma declaração de amor, mas ainda não sei os termos. Penso em ti dizer das ladeiras que subi e da paisagem que é você para mim. Não uma paisagem descartável (de tão perene) como a dos cartões postais. Uma paisagem de beleza verdadeira – frágil e mutável – sabe como é? daquelas que só podem existir quando se fecha os olhos. Paisagem indelével, paraíso de mar azul para onde eu possa voltar sempre, amando mesmo as ondas revoltas, o cabelo agitado pelo vento, as pedras encrustadas de pequenos bichos marinhos. Paisagem incapaz de fotografia. Te farei esta declaração e assinarei com todos os líquidos do meu corpo, sangue e saliva. E não entregarei pelo tempo de uma eternidade, porque tenho muito medo. Muito medo de que você rasgue o papel de carta - com o qual gastei todos os meus últimos séculos para perfumar. Preciso de garantias: acaso você saberia que não se rasga sedas nem cartas? Aí, sim. Sabendo de seu talento para o frágil, eu tomaria providências, e você receberia minha declaração perfumosa. Talvez por correio. Talvez num sussurro. Talvez numa dessas mensagens de megafone, em praça pública. Quem sabe garrafinha de náufrago? Talvez pela moça do supermercado, em meio aos anúncios das ofertas-relâmpago. Talvez
Bonequito lindo.
É claro, meu anjo, que você tem um lugar aqui nos meus arrepios. Pois não é você que sempre me oferece seu peito? Penso que aí é lugar que eu deveria ficar. Às vezes fico errando por aí e então lembro que peito é lugar seguro. Ou não?
Bem, talvez não. Nada é mesmo muito seguro.
E eu preciso ir, a hora é de ir, como dizem as canções.
Confesso que a dúvida latejou de leve, e eu pensei em ficar, quando você revelou um de seus paradoxos. Eu amo paradoxo! Foi quando eu descobri que, realmente, não dá para confiar na superfície, é necessário, sempre, olhar de novo. Eu, por um triz, tremi de amor quando você me revelou sua vontade, a maior de todas. Vi, vaidosa, você ali me olhando, seus olhos pediam, foi aquele quase clamor: me faça poeta, me faça poeta. Estou me referindo à caneta qe você enfiou no próprio coração, tentativa deslumbrada de fazer a alma soar. Lembra? A música?
Arregalei-me por completo diante de ti naquele momento. Mas, mesmo assim, não consegui me apaixonar.
Escrevo esta carta com bondade extrema, para acalmar uma de suas angústias: parabéns, você também é um mistério. E para dizer que torço para encontrares uma boa moça, eu não pertenço a esta categoria.
Adeus, ou até breve - conforme o destino.
Escrevo rápido, Horácio:
É
Bidu querido.
Fiz
Esqueça o
Te vejo em breve.
Riqueza.
Nós vamos
E
Por
Beijos estrelados.
Sir. Peterson.
Você é como minha mãe: reza reza reza e comete as maiores perversidades. Não se orgulhe. Esta santidade que você procura se chama mulher. Não é engraçado? Nem precisa frequentar templos para achá-las – se bem que alguns consideram que os bordéis sejam espécies de templo. Esqueça Buda, Krishna, Dalai Lama, Jesus e principalmente a Virgem Maria. Afogue-se no seio mais farto que encontrar, permita que elas escrevam indecências em sua barriga. Você já desenhou com batom? Aposto que não. Beije 21 mulheres por 21 dias. Seu corpo precisa se purificar com o cuspe grudento e pesado das meretrizes. Depois descanse quanto precisar, você se lembrará de sua incapacidade real neste mundo. Aí, sim, volte a rezar para Nossa Senhora.
Amém.
Sir. Joahansen.
Você não veio ao nosso encontro. E eu respirei aliviada. Tenho sede de clareza e você é só charada. Eu preciso de um homem e você é magro como uma mulher. Quero enfrentar minha vida e você é um leão medroso e mal alimentado. Minha criança respira forte no coração a cada passo adulto que eu dou. Enquanto isso, você esbofeteia a vida adulta com um cavalinho de pau. Por que razão marcamos esse encontro? Que bom que não vieste. Não venha. Estou bem assim. Bem, muito bem. Bem demais, meu bem!
Oi, Dé.
Menti para você. Você é bom, sim. E sua anatomia é linda. Ah, e eu adoraria sair com você para ir ao... deixe-me ver... ao parque. Comer algodão doce amarelo. Pode ser amarelo? Ou esta cor é estranha demais para a ideia que você faz de mim? Farei do seu jeito, sou subserviente e dócil. E você vai gostar ainda mais de mim, muito mesmo. Ainda mais quando eu tirar as suas mãos do meu joelho... pensarás: que mulher pura! Trata-se de moça de família! E eu sou mesmo, de um outro jeito, eu diria – você não conhece a minha família, não é mesmo? Tá bom, eu cedo mais uma vez. Aceito o algodão doce cor-de-rosa. Para que brigar? Eu não brigo, pelo menos até quinta. Não fique triste. Não tenho péssimas memórias de você. São só memórias... ruins. Ruins. Péssimas não. Vou ao encontro, deixo a conta para você, pois sei que isto te faz feliz, e eu estou meio sem dinheiro. Em troca, ganharei só uma coisinha: a possibilidade de ver que eu estava mesmo certa. Você não presta para mim. Na minha ciência, os opostos se repelem. Essa carta é bem engraçada, não é mesmo? Espero que você ria. Um beijo.
Medusinha linda.
Explico: houve um momento em que, de repente, seus cabelos longos se soltaram medusamente. Você não viu porque seu corpo não estava onde eu estava, é a física. Achei tão horrível que só pude mesmo gargalhar, mas por fora fiquei séria, como você sabe. E aí foi tudo como de costume, beijos, carícias, essas coisas banais de amantes. O extraordinário (ai, que eu me mato por segundos de extraordinário) foi mesmo o desenlace da fita nos cabelos e a Medusa repentina. Eu sonho todos os dias com esta imagem. Mas não devaneio muito, porque tenho horário. E se tivéssemos um bebê? Teria ele cabelos de medusa? Como eu poderia dar à luz? Mas abortei... Era só mais um devaneio breve. Tenho uma ideia: vamos namorar de sério? A condição é difícil de se cumprir como toda escolha: quero você sóbrio e de roupa. Sempre. Pelo menos sempre que puder. Aí eu te amarei (isso não é uma promessa).
Tchau!
Lindinho.
Poderia te chamar de chuchu, meu anjo ou gracinha, mas não sou tão legal quanto os clichês. Então prefiro te dizer que estou sem palavras. Mas ainda assim eu gostaria muito de te nomear. Para isso, teríamos que saber o que um e outro come às terças-feiras à tarde, mas eu sempre te vejo aos domingos... Você aceitaria morar comigo por três dias? Eu te devolvo depois. Para o mundo que você conhece e que me parece tão bom. A minha oferta é que você entre aqui em casa, nesta casa que é também corpo, sabe?, mas uma entrada sem sexo – é só afeto. Afeto tão bom, leve. Mais que isso pode ser invasão. E minha proposta não envolve invasão, até agora só falei
Com amor e pitadas de sal, rita.
Romeu do meu coração.
Não quis te assustar com poesia – se ao menos você estivesse com soluço, a poesia serviria para algo. Neste caso não serve para nada. Não fuja. Eu só disse que meu pensamento se volta para o lado em que você está, às vezes. Não é nada grave. Não morreremos disso. Entenda: não é desdém, é que poesia é fácil pra mim. Não me dei ao trabalho... foi como mato. Fácil. Simples. Inútil. Como dizer: meu amor! Como dizer: te quero! Como dizer: para sempre! Viu? Eu disse e acabou. É assim que as coisas funcionam também com as minhas palavras de poesia. São falsas como as suas. Continue aqui me beijando, sem susto. Pelo tempo que demore o sabor. Talvez seja tempo que traga paixão. Talvez não. Pra mim já foi poético.
Magno.
Minha bússola segue muitos magnetismos e por um tempo você foi Norte, justamente quando eu estava sem caminho. Fique aí queitinho. Continue. Eu te beijarei e irei para outro Norte, o mundo é grande. Nos veremos no inverno, quando a terra tiver dado toda a sua volta e os polos mudarem de lado. Outras atrações.
Um beijinho desnorteado.
Bárbaro de mi vida,
Ah, não. Você só é possível porque está longe. Por isso suma de minhas vistas. Não quero a sua terra firme. E digo que poderia sentir firmeza, caso você não fosse navegar para o Sul logo pela manhã. É isso. Tenho detestado as possibilidades de minha terra, mas também não quero quem voe com tanta facilidade. Eu gostei do seu jeito leve de falar e quase me apaixonei quando você disse ter visto um gato perdido próximo ao banheiro. E era filhote. Nunca vi um homem que observasse filhotes. Tá certo que conheço bem poucos. Homens. Gatos eu conheço vários. Serei fadada a ser próxima de cachorros? Não. Recuso com veemência. Ainda conhecerei alguém com sua sensibilidade, alguém que esteja por perto. Torça por mim, tá? E boa viagem!
Elias.
Outro dia, era noite, encontrei o homem mais fresco que é possível, ele não suportava os fios que se soltavam de meu cabelo e interferiam em sua camisa branca. Era você. Irritava-se ao sentir que minha pele possuía flacidez. Pensei: coitado, talvez ele deseje abraçar um homem careca. E nisso eu não sei como ne transformar, mesmo com toda a minha capacidade de metamorfose. Aí eu fiquei mais miúda, mais miúda, entristeci, confesso, e sumi. Com meus paninhos nas mãos. Com muitas canções na cabeça. Se eu pudesse, eu juro, eu te arranjava um homem careca, Elias, mas sei que meu pai não serviria. Arranje um. E seja feliz.
Oh, baby, baby,
It’s a wild world, né? Você me mandou um beijo e se esqueceu do abraço: beijo sem abraço não é nada para mim, vale pouquíssimo. Aí, quando nos encontramos, você soube da minha fraqueza e me abraçou apenas. E eu fiquei ali, sem beijo. A boca desocupada de palavras e saliva. Aí sim estive emudecida em seus braços. É claro que me apaixonei. Como não? Foi quando tive a revelação de nossa diferença: abraço para você não custa nada! É como água. Igual é a poesia para mim, faço para qualquer um, para um mendigo, um desconhecido da rua, faço sem alma nenhuma. Mas eu podia jurar, com todas as convicções, que sua alma esteve ali por alguns segundos. Há sempre enganos nessa vida, não é mesmo?
Graciosíssimo amor meu.
Não estou. Digo que não estou. Não respondo mensagens. Saio por aí. Emito monossílabos com entusiasmo para te confundir. Cultivo um mistério. E mais misteriozinhos, tolos e fáceis pra quem é mulher. Eu queria ser justa, mas sei jogar sujo – é claro.
Me diga com sinceridade: você quer mesmo que eu te aniquile? Não responda agora. Pense com calma, ainda há a opção de ficarmos juntos e construir uma casa com varanda e tapetes de penas de uirapuru.
beijos apaixonados da sempre sua senhorita rita.
Confira:
Mais que tudo
Primeiro mundo: medo
Um frio flui em mim, ressecando mãos, lábios e âmago. Entendo que não fui feita para isso que chama viver, mas não chego a chorar.
Segundo mundo: fantasia
Minhas mãos se esticam fundo, tocando todo o ar ao meu redor, almejam horizontes. Os ombros doem muito de sonhar. Não há sossego neste pesadelo. Apesar de toda a claridade e beleza.
Terceiro mundo: dúvida
Até que ponto minha consciência deve agir? Quando poderei cantarolar versos inconsequentes que dizem para eu deixar para lá, pois a vida leva?
Quarto mundo: força
Sei do meu valor e confio nas atitudes que tomarei. Estanco os pés no chão, preparada para qualquer movimento vindouro. Uma águia se apodera de meus olhos, para que nada escape.
Quinto mundo: languidez
Deito na cama com os 3 cobertores e me ocupo das texturas. Fecho os olhos e só os abro se for em frestas. Permaneço quente em todos os sentidos.
Sexto mundo: fadiga
Vislumbro o momento em que tudo terá fim, para que não seja mais necessário gastar os músculos. Perco os sentidos e concluo: “nunca houve sentido”. Entristeço gravemente.
Sétimo mundo: luta
Vejo os perigos se movendo, é mesmo um filme de ficção. Preparo as lanças que minhas mãos femininas, tão frágeis quanto fortes, mal sabem usar. Luto como um mestre oriental: movimentos contidos, precisão de samurai. Se ultrapassar o medo de matar e ferir, é possível que eu vença. Por enquanto estou perdendo.
Paro por aqui, porque gosto do sete – como já se sabe.
12 de jul. de 2010
ando sonhando
Ando com um pensamento que pesa chumbo prata e níquel e tudo o mais que pesa e não tem valor para uma mulher de menos de 30 anos intelectual alegrinha moderninha risonha independente como cabe à mulher do século XXI que ama a delicadeza como qualquer coisa que não cabe a ela e só tem chumbo na cabeça e não é de bala de revólver.
Ando com um pensamento sonhando barro planta chuá de água e tudo o mais que for leve feito de ar e feito de gás e ouro líquido cabelos maleáveis pele respirando pelos poros até mesmo planta do pé respirando uma manhã que seja verde ensolarada azul amarela ou cheia de chuva plúmbea.
Não quero um corpo sobre o meu, esse peso. Talvez eu não queria nunca mais.
10 de jul. de 2010
6 de jul. de 2010
Pensar
Para além da nossa pele estão os outros, o mundo das coisas e dos seres que não sou eu. Mas a pele é também um órgão de comunicação: a respiração cutânea, as inúmeras sensações tácteis, sem as quais eu não posso existir. Um limite é, então, um lugar de comunicação. Um limite é o órgão do conhecimento. O limite do pensar é o impensável, que possibilita o pensamento (vida).
[...] o limite do sentir é a insensibilidade, o que equivale à morte. Ambos os temas convergentes e indissociáveis, tal como a vida e a morte. O que em mim vive está morrendo. O que em mim morre está vivendo."
saudade, morena
Beijei a criança esta tarde e tive saudade. Assisti a um filme esta tarde e senti saudade. Digo: depois do beijo e depois do filme eu simplesmente (e isso não é simples) me deparei pensando: "ai que saudade".
O absurdo desta frase é que ela não se complementou, nem como frase nem como ideia. Não houve (acho que não há) objeto. Saudade de quê?
Eu sinto esse tipo de saudade de alguma coisa que eu não sei o que é. E, se bem perscruto dentro de mim, vejo que eu nunca nem conheci esse isso de que pareço sentir saudade. Saudade de uma parte de mim que me falta? (ah, a falta... essa lacuna é tudo...). Saudade de Deus? Saudade do tempo em que eu, átomo que era, integrava o cosmos, a natureza? Saudade de um bem que me virá um dia? Saudade. Saudade sim.
5 de jul. de 2010
casal vinte
catástrofe
é uma palavra para ser dita ao som de trovão, com a voz de um trovão
catástrofe
é a palavra mais movimentada da língua portuguesa
catástrofe
não cabe em nenhuma estrofe de poema
catástrofe
e as cataduras magníficas da população
4 de jul. de 2010
sinto muito
E repito: eu entendo porque comi duas parcelas de seu hálito. E vi que não. Não há alimento aí.
mais um pouco
3 de jul. de 2010
Eva, não traga serpente
e construí um reino de poder legítimo
sua cama era a praça onde eu levava meu guerreiros para vencer as batalhas
meu grito de guerra eram sussurros ao pé do ouvido
minha lança, projetada à distância, era o olhar
a cada vitória - tão certa como a noite que mais nos encobria do que lençóis -,
comemorávamos (eu e meus soldados)
com o vinho dos bárbaros
e você dormia fatigado
alheio a tudo isto que revelo agora
sempre soube como me purificaria caso me ferisse
eu era só valentia - sem temor
caso me ferisse eu me purificaria:
congelei em temperaturas só possíveis na modernidade
duas gotas de lágrima verdadeira
- do tempo em que eu chorava
eu reinava linda, jovem e vigorosa
no meu reino de poder
pisava em seus ombros com pés macabros
ria de cada fio de barba que eu arrancava com tratores.
Daí, cansei de tudo isto.
Ri minha última gargalhada infame
e em silêncio derramei dois cálices de lágrimas quentes em seu peito aberto
para o bem da cura e transformação
foi o primeiro passo que dei para me tornar mulher
e continua
Hoje não construo mais reinos
e procuro uma comunidade que não existe
não acredito em poder
e não lanço nada disto que uma mulher pode se acostumar a lançar por conveniência:
fio de cabelo, echarpes por sobre o pesoço, borrifadas de perfume
meu olhos gostam de ficar fechados
minha boca só abre se for em frestas
absorvo a bondade
amo o simples
e aproveito cada gota de silêncio que alguém me oferecer por amor.
o namorado dos meus sonhos
Eu poderia namorar um homem loiro. Isto era aceitável.
Eu poderia namorar um homem baixo. Isto era admissível.
Eu até poderia conviver com um homem que usasse blazer comprado nos anos 80. O amor não olha isso.
Mas eu não suportava a voz do namorado que me cabia. E isto eu não aceitava.
E, além da voz irritante, ele era ainda loiro, baixo e usava blazer anos 80.
Toda vez que ele dizia algo, eu balançava as mãos num ímpeto de tapar os ouvidos. Só não realizava o ato por etiqueta social ("- Vejam: ela não escuta o namorado!", diriam).
O pior é que eu nunca o havia aceitado como namorado. Mas ele era o meu namorado. Todos sabiam, só eu não entendia como aquilo ficou assim tão acertado e definitivo.
Já que não tinha jeito, comecei a gostar dele. Primeiro porque lembrei que ele vendia pão, era dono de uma padaria e sempre me propunha comer pães quentes. Gostei um pouco mais porque ele me mostrou as passagens de uma grande viagem que faríamos. E comecei a pensar em efetivar o namoro que todos já sabiam existente quando um amigo dele, horroroso ("Por que meu namorado tem amigos tão horrorosos?", pensava), me cumprimentou com o maior respeito do mundo. E pensei então, quase conclusiva: o que é uma voz irritante em vista de tanto respeito e pão quente? Seria melhor viajarmos.
Com medo, porque não se fica sem ele, vi que um dos caminhos era dizer sim. Em outras palavras, abandonar o semblante desconfiado quando ele me chamasse de "meu amor". Assumir uma postura inequívoca perante ao que parecia tão equivocado: você, homem loiro de voz irritante, é sim meu namorado. Nos amaremos com farinha e calor de forno, porque, sim, eu quero.
Achei, no final das contas, que assim é o amor: essa voz insistentemente aguda que não nos deixa parar onde já nos julgamos tão bons.