3 de nov. de 2009

foi só isso

Houve um instante, breve instante, em que eu pensei: "Então é isso. Não há mais nada". E o destino cruel (pude ouvir seu riso maligno e mesmo agora meus olhos se apertam de ódio ao lembrar) cochichou: "Olhe para seu punho". Eu olhei, porque não havia outra coisa a fazer senão olhar. Não se desobedece destino, ainda mais quando basta seu sussurro para ocupar todo o ar ao redor.
Aí eu vi... Vi aquilo por que esperava há muito - tempo que confunde relógios: um pedacinho de tecido se soltava de meu punho, uma linha tão puída que era quase mesmo a pele. Seria pele se eu olhasse de novo, mas não deu tempo, porque eu vi a linha se soltando e se dissolvendo no ar. Por um instante, linha, pele e ar eram uma coisa só. E eu disse não. Não, mil vezes não. "Eu ainda não estou preparada". E uma voz (acho que era mesmo o destino. Ou Deus. Ou algo equivalente) disse sim.
E eu olhei ao lado e havia um moço se aproximando numa câmera lenta, em boca de beijo, tipo um bico. Eu disse: "Não. Mil vezes não. Eu não quero este."
Os olhos arregalados, um medão. Desejo que a linha se amarrasse novamente no meu punho, mas era mesmo um trapinho, só dos lixos. Quase gritei, com o corpo todo tremendo, o som entre os dentes: "Amarrrra!". Se eu gritasse seria um daqueles gritos de criança que quer o doce da vitrina a todo custo e acredita que a guloseima atravessará o vidro com a força do seu grito.

Mas sufoquei grito e tremor, porque me achei já grandinha e tive vergonha, e daí que o que contive teve a dimensão de uma aventura.
E o beijo veio porque o moço (repugnante - devo dizer - loiro e plácido) já estava perto demais. E a voz, que ainda ria de maldade, me mandou calar, advinhando a vontade do grito (é que meus olhos me traíam).
Eu queria ser mais forte que o laço que se quebrava, eu queria ser soberana a tudo aquilo que me acontecia sem minha permissão, e, sobretudo, eu queria dizer um palavrão bem impróprio para aquele tal destino ou Deus ou coisa equivalente.
Aí eu pensei em chorar, porque era o mais óbvio. Mas não achei justo. Porque não dava mais para voltar a esse ponto.
Então aceitei o beijo. O que me calou bem fundo e me engoliu as lágrimas.
E o destino riu, riu. Me abandonando pequena, ocupando apenas o meu lugar.

Um comentário:

  1. que bonito...
    "Eu queria ser mais forte que o laço que se quebrava, eu queria ser soberana a tudo aquilo que me acontecia sem minha permissão, e, sobretudo, eu queria dizer um palavrão bem impróprio para aquele tal destino ou Deus ou coisa equivalente." Adorei!

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Well... vejamos... eu poderia dizer que...
Fiquem à vontade!