(desenho de M.B.)
"Por impulso de admiração peguei em Porto Esperança o vapor Fernandes Vieira que levaria o escritor Guimarães Rosa até Corumbá, pelo rio Paraguaio. Era de noite entre árvores. Águas paradas no escuro. Calor e mosquitos levaram os passageiros para os camarotes. Manhãzinha, outro dia, um vento macio e alvo soprava. Rosa saíra cedo do camarote. Estava sentado no tombadilho tomando fresca. Do bolso da paisagem borboletas queriam escapar. Rosa abriu a paisagem e as borboletas saíram. O corpo do vapor quase tocava nas árvores do barranco. Andava essa lancha que nem um cágado travado. Dava pra ver rancho amanhecendo. Talvez uma chácara amanhecendo. Dava pra ver um curral de bezerros, um homem e um menino pardos. Eu fabricava coragem para puxar uma prosa com aquele João. Nessa hora as mariposas relavam na água as bundas. Uma anhuma rasou por cima de nós, tocando fagote. Eu disse para o Rosa ouvir: O canto desse pássaro diminui a manhã. Rosa pôs tento. Ele tinha uma sede anormal por frases com ave. Me olhou sentado na frase e se riu para mim. Gostou que eu estava fraseando no vento. Quer dizer que esse anhuma diminui a manhã? ─ ele perguntou. Eu disse: um homem que não tem ensino me ensinou. Ele não tem informação das coisas, mas adivinha. Rosa disse: Quem acumula muita informação pode perder o Dom de adivinhar. São as obscuridades coerentes do povo. Vai daí começamos a prosear lourenço. "
BARROS, Manoel de. Revista Cultural, Paraguay, ano 1, n.1, [s.p.], abr./maio, 1995. [referência aproximada]Levei o Rosa na beira dos pássaros que fica no
meio da Ilha Lingüística.
Rosa gostava muito de frases em que entrassem
pássaros.
E fez uma na hora:
A tarde está verde no olho das garças.
E completou com Job:
Sabedoria se tira das coisas que não existem.
A tarde verde no olho das garças não existia
mas era fonte do ser.
Era poesia.
Era néctar do ser.
Rosa gostava muito do corpo fônico das palavras.
Veja a palavra bunda, Manoel
Ela tem um bonito corpo fônico além do
propriamente.
Apresentei-lhe a palavra gravanha.
Por instinto lingüístico achou que gravanha seria
um lugar entrançado de espinhos e bem
emprenhado de filhotes de gravatá por baixo.
E era.
BARROS, Manoel de. Retrato do artista quando coisa. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
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