29 de nov. de 2009
bichos do tabuleiro
Por que será que eu me sinto do outro lado do tabuleiro quando te vejo?
Vejo os seus olhos refletindo alguém que não sou eu e tenho vontade de gritar: injustiça! Traição! Quem é essa aí?
Já me vi suprema nos seus olhos. Onça toda predadora.
Já te vi me vendo um coelhinho rosado. Aí nos seus olhos.
Se me quiser ver nos bichos, se esta for a metáfora, eu escolho tamanduá. Ou então calanguinho bonitinho.
Vejo os seus olhos refletindo alguém que não sou eu e tenho vontade de gritar: injustiça! Traição! Quem é essa aí?
Já me vi suprema nos seus olhos. Onça toda predadora.
Já te vi me vendo um coelhinho rosado. Aí nos seus olhos.
Se me quiser ver nos bichos, se esta for a metáfora, eu escolho tamanduá. Ou então calanguinho bonitinho.
ode à interrogação
Se eu escrevo
e peso
radical
melancólica
taxativa
conceitual
pré-conceitual
grave
absoluta
eu coloco aquele sinalzinho
curvinha mais bonitinha
que é a interrogação
e quase que
tudo se resolve
(a não ser mesmo a dúvida)
no sem certeza que respira
no "não sei" mais levinho
no descompromisso
não-solução
na humildade mais humana
na manutenção da ignorância
porque interrogação continua
prorroga
e tudo o que eu peço é vida depois da morte
e viva! que eu não sou Deus.
(às vezes eu esqueço)
e peso
radical
melancólica
taxativa
conceitual
pré-conceitual
grave
absoluta
eu coloco aquele sinalzinho
curvinha mais bonitinha
que é a interrogação
e quase que
tudo se resolve
(a não ser mesmo a dúvida)
no sem certeza que respira
no "não sei" mais levinho
no descompromisso
não-solução
na humildade mais humana
na manutenção da ignorância
porque interrogação continua
prorroga
e tudo o que eu peço é vida depois da morte
e viva! que eu não sou Deus.
(às vezes eu esqueço)
uma poesia que eu queria
Eu queria fazer uma poesia sem pele.
Sem coração nem amor.
Uma poesia que falasse de pardal e graveto.
Pedregulho.
Eu queria que pedregulho não fosse palavra demasiada.
Seria uma poesia
- essa que eu quero –
sem amargor nem urgência.
(Será que o que eu quero é mesmo poesia?)
Sem coração nem amor.
Uma poesia que falasse de pardal e graveto.
Pedregulho.
Eu queria que pedregulho não fosse palavra demasiada.
Seria uma poesia
- essa que eu quero –
sem amargor nem urgência.
(Será que o que eu quero é mesmo poesia?)
alguma coisa em comum com
é melhor ficar calada?
isto me enfrangalha muito
Como eu não soube inserir vídeo aqui neste sistema, de blog, como eu sei ainda muito pouco sobre essa comunicação desse mundo virtual. Só posso mesmo é colocar um link. E dizer: assistam, assistam, assistam!
alguma coisa em comum com
A massa ainda vai comer do biscoito fino que eu fabrico (Oswald Andrade)
panelinha
sim
eu tenho um grupo
todos neste mundo
se ajuntam
por que eu não?
eu também quis um
por direito
por muito tempo
achei-me out
sem bando
temi a própria estranheza:
que humano seria eu,
afinal, qual a minha
gangue, trupe, filial?
aí eu soube
que sim
eu tenho um clube
que não é raro nem exclusivo
(você também pode entrar
qualquer um pode mesmo)
é um grupo sem sede
(se não considerarmos a alma)
sem doutrina
(esqueçamos a póíesis)
sem visual
(apesar da tendência aos farrapos)
não é grupo grande
mas ocupamos muitos becos
mundo afora
fazemos reuniões noturnas
(na hora perigosa e exata
em que os ares do mundo
fervem em ondas de pensamento
mesma noite sem fuso-horários)
trata-se do grupo
(você o conhece)
dos que não se agrupam
andam sós
seus livros e piolhos
andam sós
e se encontram no silêncio
andam sós por rejeição
(não recusam quase nada
- pois amam o mundo -
são mais é rejeitados
- cheiram mal)
veja
não somos tão poucos:
agora mesmo
ouço o "oi" de um amigo
que veio balançar o pensamento
para meus lados
(ele não disse nada
mas o ar vibrou diferente)
estamos sempre juntos,
ou seja, sozinhos,
nas casas ou esquinas
é fácil estar no grupo
porque
é fácil estar sozinho
digo
sozinho mesmo acompanhado
digo
não é nada fácil
já tentei sair do clube
tentei cortar o vínculo
mas eles não me deixam
me puxam em silêncio
no fim (que me resta fazer?)
aceito
este triste pertencimento ao nada
eu tenho um grupo
todos neste mundo
se ajuntam
por que eu não?
eu também quis um
por direito
por muito tempo
achei-me out
sem bando
temi a própria estranheza:
que humano seria eu,
afinal, qual a minha
gangue, trupe, filial?
aí eu soube
que sim
eu tenho um clube
que não é raro nem exclusivo
(você também pode entrar
qualquer um pode mesmo)
é um grupo sem sede
(se não considerarmos a alma)
sem doutrina
(esqueçamos a póíesis)
sem visual
(apesar da tendência aos farrapos)
não é grupo grande
mas ocupamos muitos becos
mundo afora
fazemos reuniões noturnas
(na hora perigosa e exata
em que os ares do mundo
fervem em ondas de pensamento
mesma noite sem fuso-horários)
trata-se do grupo
(você o conhece)
dos que não se agrupam
andam sós
seus livros e piolhos
andam sós
e se encontram no silêncio
andam sós por rejeição
(não recusam quase nada
- pois amam o mundo -
são mais é rejeitados
- cheiram mal)
veja
não somos tão poucos:
agora mesmo
ouço o "oi" de um amigo
que veio balançar o pensamento
para meus lados
(ele não disse nada
mas o ar vibrou diferente)
estamos sempre juntos,
ou seja, sozinhos,
nas casas ou esquinas
é fácil estar no grupo
porque
é fácil estar sozinho
digo
sozinho mesmo acompanhado
digo
não é nada fácil
já tentei sair do clube
tentei cortar o vínculo
mas eles não me deixam
me puxam em silêncio
no fim (que me resta fazer?)
aceito
este triste pertencimento ao nada
alguma coisa em comum com
a folha do não-me-toques e o medo da solidão
27 de nov. de 2009
se fôssemos
Imagine se fôssemos íntimos:
dividiríamos água na bacia
fartaríamo-nos de biscoito
(maria)
picaríamos cebolas
cozinharíamos maçãs
alimentaríamos sabiás
eu te inventaria receitas
- de bolo de abacaxi
você me inventaria canções
- dois ou três versos por dia
não andaríamos sós com versos na cabeça
- mãos dadas
eu seria bem mais mulher:
os fogos que acenderia
Você, mais homem,
beijaria-me a ponta dos dedos
Já pensou se fôssemos íntimos?
Que bárbaros mundos perscrutaríamos?
Que sólidos ares construiríamos?
dividiríamos água na bacia
fartaríamo-nos de biscoito
(maria)
picaríamos cebolas
cozinharíamos maçãs
alimentaríamos sabiás
eu te inventaria receitas
- de bolo de abacaxi
você me inventaria canções
- dois ou três versos por dia
não andaríamos sós com versos na cabeça
- mãos dadas
eu seria bem mais mulher:
os fogos que acenderia
Você, mais homem,
beijaria-me a ponta dos dedos
Já pensou se fôssemos íntimos?
Que bárbaros mundos perscrutaríamos?
Que sólidos ares construiríamos?
alguma coisa em comum com
casa em que entre o sol e haja amor
o que é que haverá lá atrás das estrelas?
"Ai compadre
Tenho vontade de ouvir uma música mole
que se estire por dentro do sangue;
música com gosto de lua
e do corpo da filha da rainha Luzia
que me faça ouvir de novo
a conversa dos rios
que trazem queixas do caminho
e vozes que vêm de longe
surradas de ai ai ai"
(Cobra Norato, Raul Bopp)
Tenho vontade de ouvir uma música mole
que se estire por dentro do sangue;
música com gosto de lua
e do corpo da filha da rainha Luzia
que me faça ouvir de novo
a conversa dos rios
que trazem queixas do caminho
e vozes que vêm de longe
surradas de ai ai ai"
(Cobra Norato, Raul Bopp)
26 de nov. de 2009
experiência de limites
o medo a rosa
o medo a rosa
o medo a rosa
às vezes mais medo
outras, mais rosa
a rosa: um caminhão de frutas
um brilho no estômago
um sabor
é claro
mesmo de noite
o medo: machucados nas peles de mil
a fronte desassociada do rosto
uma dor
que eu não conheço de todo
e já não suporto metade
o medo a rosa
o medo a rosa
o medo a rosa
às vezes mais medo
outras, mais rosa
o medo a rosa
o medo a rosa
às vezes mais medo
outras, mais rosa
a rosa: um caminhão de frutas
um brilho no estômago
um sabor
é claro
mesmo de noite
o medo: machucados nas peles de mil
a fronte desassociada do rosto
uma dor
que eu não conheço de todo
e já não suporto metade
o medo a rosa
o medo a rosa
o medo a rosa
às vezes mais medo
outras, mais rosa
alguma coisa em comum com
cada coisa aquieta em seu buraquinho da barriga (toda coisa tem seu lugar na barriga)
24 de nov. de 2009
encontro: Manoel de Barros e Guimarães Rosa
(desenho de M.B.)
"Por impulso de admiração peguei em Porto Esperança o vapor Fernandes Vieira que levaria o escritor Guimarães Rosa até Corumbá, pelo rio Paraguaio. Era de noite entre árvores. Águas paradas no escuro. Calor e mosquitos levaram os passageiros para os camarotes. Manhãzinha, outro dia, um vento macio e alvo soprava. Rosa saíra cedo do camarote. Estava sentado no tombadilho tomando fresca. Do bolso da paisagem borboletas queriam escapar. Rosa abriu a paisagem e as borboletas saíram. O corpo do vapor quase tocava nas árvores do barranco. Andava essa lancha que nem um cágado travado. Dava pra ver rancho amanhecendo. Talvez uma chácara amanhecendo. Dava pra ver um curral de bezerros, um homem e um menino pardos. Eu fabricava coragem para puxar uma prosa com aquele João. Nessa hora as mariposas relavam na água as bundas. Uma anhuma rasou por cima de nós, tocando fagote. Eu disse para o Rosa ouvir: O canto desse pássaro diminui a manhã. Rosa pôs tento. Ele tinha uma sede anormal por frases com ave. Me olhou sentado na frase e se riu para mim. Gostou que eu estava fraseando no vento. Quer dizer que esse anhuma diminui a manhã? ─ ele perguntou. Eu disse: um homem que não tem ensino me ensinou. Ele não tem informação das coisas, mas adivinha. Rosa disse: Quem acumula muita informação pode perder o Dom de adivinhar. São as obscuridades coerentes do povo. Vai daí começamos a prosear lourenço. "
BARROS, Manoel de. Revista Cultural, Paraguay, ano 1, n.1, [s.p.], abr./maio, 1995. [referência aproximada]Levei o Rosa na beira dos pássaros que fica no
meio da Ilha Lingüística.
Rosa gostava muito de frases em que entrassem
pássaros.
E fez uma na hora:
A tarde está verde no olho das garças.
E completou com Job:
Sabedoria se tira das coisas que não existem.
A tarde verde no olho das garças não existia
mas era fonte do ser.
Era poesia.
Era néctar do ser.
Rosa gostava muito do corpo fônico das palavras.
Veja a palavra bunda, Manoel
Ela tem um bonito corpo fônico além do
propriamente.
Apresentei-lhe a palavra gravanha.
Por instinto lingüístico achou que gravanha seria
um lugar entrançado de espinhos e bem
emprenhado de filhotes de gravatá por baixo.
E era.
BARROS, Manoel de. Retrato do artista quando coisa. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
22 de nov. de 2009
Estudos sobre o romantismo
Parte II: "José Matias"
Vê se ajuda a entender:
José Matias é apaixonado por Elisa - viúva de Matos Miranda e agora casada com um homem de bigodes negros (o Torres Nogueira). Ao ficar viúva, Elisa quis casar com J. M., que, espantosamente, a recusou.
.
"Havia, porém, uma tremenda e dolorosa mudança - a do José Matias! Adivinha o meu amigo como esse desgraçado consumia os seus estéreis dias? Com os olhos, e a memória, e a alma, e todo o ser cravados no terraço, nas janelas, nos jardins da Parreira! Mas agora não era de vidraças largamente abertas, em aberto êxtase, com o sorriso de segura beatitude: era por trás das cortinas fechadas, através duma escassa fenda, escondido, surrupiando furtivamente os brancos sulcos do vestido branco, com a face toda devastada pela angústia e pela derrota. E compreende porque sofria assim, esse pobre coração? Certamente porque Elisa, desdenhada pelos seus braços fechados, correra logo, sem luta, sem escrúpulos, para outros braços, mais acessíveis e prontos... Não, meu amigo! E note agora a complicada subtileza desta paixão. O José Matias permanecia devotamente crente de que Elisa, na profundidade da sua alma, nesse sagrado fundo espiritual onde não entram as imposições das conveniências, nem as decisões da razão pura, nem os ímpetos do orgulho, nem as emoções da carne - o amava, a ele, unicamente a ele, e com um amor que não deperecera, não se alterara, floria em todo o seu viço, mesmo sem ser regado ou tratado, como a antiga Rosa Mística! O que o torturava, meu amigo, o que lhe cravara longas rugas em curtos meses, era que um homem, um macho, um bruto, se tivesse apoderado daquela mulher que era sua! e que do modo mais santo e mais socialmente puro, sob o patrocínio enternecido da Igreja e do Estado, lambuzasse com os rijos bigodes negros, à farta, os divinos lábios que ele nunca ousara roçar, na supersticiosa reverência e quase no terror da sua divindade! Como lhe direi?... O sentimento deste extraordinário Matias era o de um monge, prostrado ante uma Imagem da Virgem, em transcendente enlevo - quando de repente um bestial sacrílego trepa ao altar, e ergue obscenamente a túnica da Imagem. O meu amigo sorri... E então o Matos Miranda? Ah! meu amigo! esse era diabético, e grave, e obeso, e já existia instalado na Parreira, com a sua obesidade e a sua diabetes, quando ele conhecera Elisa e lhe dera para sempre vida e coração. E o Torres Nogueira, esse, rompera brutalmente através do seu puríssimo amor, com os negros bigodes, e os carnudos braços, e o rijo arranque dum antigo pegador de touros, e empolgara aquela mulher - a quem revelara talvez o que é um homem!
Mas, com os demónios! essa mulher ele a recusara, quando ela se lhe oferecia, na frescura e na grandeza dum sentimento que nenhum desdém ainda ressequira ou abatera. Que quer?... É a espantosa tortuosidade espiritual deste Matias! Ao cabo de uns meses ele esquecera, positivamente esquecera essa recusa afrontosa, como se fora um leve desencontro de interesses materiais ou sociais, passado há meses, no Norte, e a que a distância e o tempo dissipavam a realidade e a amargura leve! E agora, aqui em Lisboa, com as janelas de Elisa diante das suas janelas e as rosas dos dois jardins unidos rescendendo na sombra, a dor presente, a dor real, era que ele amara sublimemente uma mulher, e que a colocara entre as estrelas para mais pura adoração, e que um bruto moreno, de bigodes negros, arrancara essa mulher de entre as estrelas e a arremessara para a cama!
Enredado caso, hem, meu amigo? Ah! muito filosofei sobre ele, por dever de filósofo! E concluí que o Matias era um doente, atacado de hiperespiritualismo, duma inflamação violenta e pútrida do espiritualismo, que receara apavoradamente as materialidades do casamento, as chinelas, a pele pouco fresca ao acordar, um ventre enorme durante seis meses, os meninos berrando no berço molhado... E agora rugia de furor e tormento, porque certo materialão, ao lado, se prontificara a aceitar Elisa em camisola de lã. Um imbecil?... Não, meu amigo! um ultra-romântico, loucamente alheio às realidades fortes da vida, que nunca suspeitou que chinelas e cueiros sujos de meninos são coisas de superior beleza em casa em que entre o sol e haja amor."
Mas, com os demónios! essa mulher ele a recusara, quando ela se lhe oferecia, na frescura e na grandeza dum sentimento que nenhum desdém ainda ressequira ou abatera. Que quer?... É a espantosa tortuosidade espiritual deste Matias! Ao cabo de uns meses ele esquecera, positivamente esquecera essa recusa afrontosa, como se fora um leve desencontro de interesses materiais ou sociais, passado há meses, no Norte, e a que a distância e o tempo dissipavam a realidade e a amargura leve! E agora, aqui em Lisboa, com as janelas de Elisa diante das suas janelas e as rosas dos dois jardins unidos rescendendo na sombra, a dor presente, a dor real, era que ele amara sublimemente uma mulher, e que a colocara entre as estrelas para mais pura adoração, e que um bruto moreno, de bigodes negros, arrancara essa mulher de entre as estrelas e a arremessara para a cama!
Enredado caso, hem, meu amigo? Ah! muito filosofei sobre ele, por dever de filósofo! E concluí que o Matias era um doente, atacado de hiperespiritualismo, duma inflamação violenta e pútrida do espiritualismo, que receara apavoradamente as materialidades do casamento, as chinelas, a pele pouco fresca ao acordar, um ventre enorme durante seis meses, os meninos berrando no berço molhado... E agora rugia de furor e tormento, porque certo materialão, ao lado, se prontificara a aceitar Elisa em camisola de lã. Um imbecil?... Não, meu amigo! um ultra-romântico, loucamente alheio às realidades fortes da vida, que nunca suspeitou que chinelas e cueiros sujos de meninos são coisas de superior beleza em casa em que entre o sol e haja amor."
.
"José Matias" é um texto de Eça de Queirós, que reflete criticamente sobre a postura idealizadora do romatismo. É legal!
Vale a pena ler o texto! Lê aí:
alguma coisa em comum com
casa em que entre o sol e haja amor,
chinela e camisolão
pequena prisão domiciliar
nada me alimenta mais:
este sonho
que consome todas as minhas energias
paro por completo
o sangue
não vejo o relógio
não escuto seus planos
não como
e canso do paladar de mim mesma
não leio
e não suporto mais letra que seja
o pensamento é turbilhão
os cheiros da minha cama revelam quem eu fui ontem
lavo tudo
limpo
livro
mas não movo um músculo
o pensamento é turbilhão
pensamento
músculo?
No espelho estou tão magra e pálida!
Fatigada mesmo
movimento interno
só posso mesmo descansar
resta
deitar suja na cama suja
deixando pingos no chuveiro
aberto por inútil propósito
agredindo a ecologia
devoro os nós dos dedos
os restos
até retomar os quilos perdidos
coro
saudável de sangue
perfumo-me e saúdo o dia
exalo um cheiro estranho
bem mais do que eu
irreconhecível
e saio por aí
ainda presa em algo
que sou eu
este sonho
que consome todas as minhas energias
paro por completo
o sangue
não vejo o relógio
não escuto seus planos
não como
e canso do paladar de mim mesma
não leio
e não suporto mais letra que seja
o pensamento é turbilhão
os cheiros da minha cama revelam quem eu fui ontem
lavo tudo
limpo
livro
mas não movo um músculo
o pensamento é turbilhão
pensamento
músculo?
No espelho estou tão magra e pálida!
Fatigada mesmo
movimento interno
só posso mesmo descansar
resta
deitar suja na cama suja
deixando pingos no chuveiro
aberto por inútil propósito
agredindo a ecologia
devoro os nós dos dedos
os restos
até retomar os quilos perdidos
coro
saudável de sangue
perfumo-me e saúdo o dia
exalo um cheiro estranho
bem mais do que eu
irreconhecível
e saio por aí
ainda presa em algo
que sou eu
20 de nov. de 2009
muitas sombras
Muitas sombras.
- Sombras?
- Isso mesmo que você entendeu.
E eu tinha entendido fantasmas. Fantasmas pela floresta. Manchas brancas. Fumaças fortíssimas, tocáveis. E era.
- Não se separem, em hipótese nenhuma.
Os fantasmas ativariam em nosso âmago uma vontade de se perder, de se afastar uns dos outros.
A única salvação era ficarmos juntos. Puxei todos para perto de mim, para o centro do caminho.
Suor, cansaço.
Medo demais.
Além de ser mais forte que a vontade de me perder, precisava também fazer força para que os outros se esforçassem. Puxei golas, braços, ombros: fiquem. Era difícil manter o grupo na estradinha de terra.
Os fantasmas giravam no entorno, eu os via (ainda não era com os olhos, em breve seria).
- Protejam a cabeça. Arrumem o sentido. Os fantasmas lançarão fumaças. Pedras de ar, trouxas impalpáveis, volumes abstratos. Protejam a cabeça. Não recebam nada que vier deles. Novamente algo no estômago irá reluzir, borbulhar. O âmago será ativado. Haverá uma vontade fervente de olhar, receber, aceitar. Não olhem, não aceitem, não recebam. Protejam a cabeça. Com as duas mãos. Não recebam nada dos fantasmas. Só haverá saída, se protegerem a cabeça. Só haverá saída, se protegerem a cabeça. Protejam a cabeça.
- Sombras?
- Isso mesmo que você entendeu.
E eu tinha entendido fantasmas. Fantasmas pela floresta. Manchas brancas. Fumaças fortíssimas, tocáveis. E era.
- Não se separem, em hipótese nenhuma.
Os fantasmas ativariam em nosso âmago uma vontade de se perder, de se afastar uns dos outros.
A única salvação era ficarmos juntos. Puxei todos para perto de mim, para o centro do caminho.
Suor, cansaço.
Medo demais.
Além de ser mais forte que a vontade de me perder, precisava também fazer força para que os outros se esforçassem. Puxei golas, braços, ombros: fiquem. Era difícil manter o grupo na estradinha de terra.
Os fantasmas giravam no entorno, eu os via (ainda não era com os olhos, em breve seria).
- Protejam a cabeça. Arrumem o sentido. Os fantasmas lançarão fumaças. Pedras de ar, trouxas impalpáveis, volumes abstratos. Protejam a cabeça. Não recebam nada que vier deles. Novamente algo no estômago irá reluzir, borbulhar. O âmago será ativado. Haverá uma vontade fervente de olhar, receber, aceitar. Não olhem, não aceitem, não recebam. Protejam a cabeça. Com as duas mãos. Não recebam nada dos fantasmas. Só haverá saída, se protegerem a cabeça. Só haverá saída, se protegerem a cabeça. Protejam a cabeça.
alguma coisa em comum com
arrepio,
em frangalhos,
também foi sonho
17 de nov. de 2009
Estudos sobre o romantismo
Parte I: Caetano Veloso
Qual você esccolhe?
.
.
"Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem. Apenas sei de diversas harmonias bonitas, possíveis, sem juízo final..."
(Fora da ordem)
.
.
.
"Tudo o que eu quero é um acorde perfeito maior. Com todo o mundo podendo brilhar no cântico. Canto somente o que não pode mais se calar, noutras palavras sou muito romântico."
(Muito romântico)
alguma coisa em comum com
o que eu espero,
o que eu quero
Vão dançá?
A dança é celebração, a dança é linguagem. Linguagem para aquém da palavra: as danças de cortejamento dos pássaros o demonstram. Linguagem para além da palavra: porque onde as palavras já não bastam, o homem apela para a dança.
O que é essa febre, capaz de apoderar-se de uma criatura e de agitá-la até o frenesi, senão a manifestação, muitas vezes, explosiva, do instinto de vida, que só aspira rejeitar toda a dualidade do temporal para reencontrar, de um salto, a unidade primeira, em que corpos e almas, criador e criação, visível e invisível se encontram e se soldam, fora do tempo, num só êxtase. A dança clama pela identificação com o imperecível: celebra-o.
Tal é a dança do rei Davi diante da Arca, ou a que encantava e arrastava num turbilhão sem fim Meviana D'jellal ed'dim Rumi, o fundador da confraria dos dervixes rodopiantes (mawla-wiyya), e um dos maiores poetas líricos de todos os tempos. Tais são também todas as danças principiativas, todas as danças qualificadas como sagradas.
Mas tais são, ainda, na vida dita profana, todas as danças populares ou eruditas, elaboradas ou de improvisação, individuais ou coletivas, as quais, em maior ou menor grau, buscam uma libertação no êxtase, quer ela se limite ao corpo, quer seja mais sublimada - na medida em que se admita que haja graus, modos e medidas no êxtase.
O ordenamento da dança, seu ritmo, representa a escala pela qual se realiza e completa a libertação. Não há melhor exemplo que o dos xamãs, pois eles mesmos confessam que é com a dança, acompanhada pelo seu tambor, que se consuma a sua ascensão para o mundo dos espíritos. Da Grécia e de seus mistérios, da África, pátria dos orixás e do vodu, ao xamanismo siberiano e americano, e até nas danças mais livres do nosso tempo, por toda parte o homem exprime pela dança a mesma necessidade de livrar-se do perecível. As numerosas danças rituais para pedir chuva não diferem, nesse sentido, de nenhuma maneira, da mais trivial dança amorosa e a extenuante dança do sol, dos índios das pradarias norte-americanas, bem como as danças de luto da China antiga põem a prova a alma, procuram fortificá-la e conduzi-la pela senda invisível que eleva do perecível ao imperecível. Porque se a dança é provação fervente, e prece, ela é também teatro.
No Egito onde as danças eram tão múltiplas quanto elaboradas, elas traduziam, segundo Luciano, em movimentos expressivos, os mais misteriosos dogmas da religião, os mitos de Ápis e Osíres, as transformações dos deuses em animais e, acima de tudo, os seus amores.
Chevalier & Gheerbrant. Dicionário de símbolos.
O que é essa febre, capaz de apoderar-se de uma criatura e de agitá-la até o frenesi, senão a manifestação, muitas vezes, explosiva, do instinto de vida, que só aspira rejeitar toda a dualidade do temporal para reencontrar, de um salto, a unidade primeira, em que corpos e almas, criador e criação, visível e invisível se encontram e se soldam, fora do tempo, num só êxtase. A dança clama pela identificação com o imperecível: celebra-o.
Tal é a dança do rei Davi diante da Arca, ou a que encantava e arrastava num turbilhão sem fim Meviana D'jellal ed'dim Rumi, o fundador da confraria dos dervixes rodopiantes (mawla-wiyya), e um dos maiores poetas líricos de todos os tempos. Tais são também todas as danças principiativas, todas as danças qualificadas como sagradas.
Mas tais são, ainda, na vida dita profana, todas as danças populares ou eruditas, elaboradas ou de improvisação, individuais ou coletivas, as quais, em maior ou menor grau, buscam uma libertação no êxtase, quer ela se limite ao corpo, quer seja mais sublimada - na medida em que se admita que haja graus, modos e medidas no êxtase.
O ordenamento da dança, seu ritmo, representa a escala pela qual se realiza e completa a libertação. Não há melhor exemplo que o dos xamãs, pois eles mesmos confessam que é com a dança, acompanhada pelo seu tambor, que se consuma a sua ascensão para o mundo dos espíritos. Da Grécia e de seus mistérios, da África, pátria dos orixás e do vodu, ao xamanismo siberiano e americano, e até nas danças mais livres do nosso tempo, por toda parte o homem exprime pela dança a mesma necessidade de livrar-se do perecível. As numerosas danças rituais para pedir chuva não diferem, nesse sentido, de nenhuma maneira, da mais trivial dança amorosa e a extenuante dança do sol, dos índios das pradarias norte-americanas, bem como as danças de luto da China antiga põem a prova a alma, procuram fortificá-la e conduzi-la pela senda invisível que eleva do perecível ao imperecível. Porque se a dança é provação fervente, e prece, ela é também teatro.
No Egito onde as danças eram tão múltiplas quanto elaboradas, elas traduziam, segundo Luciano, em movimentos expressivos, os mais misteriosos dogmas da religião, os mitos de Ápis e Osíres, as transformações dos deuses em animais e, acima de tudo, os seus amores.
Chevalier & Gheerbrant. Dicionário de símbolos.
alguma coisa em comum com
música invisível,
sempre acaba nos "amores"
não quero mais estrategema
não quero mais estrategema
porque eu sonhei com aquele menino correndo
e
vi
vi aquele menino correndo
aquele menino que era menino novo
e, no novo, é simples
simples assim
simples e só
eu fico aqui
e
vivo
você aí
e
vive
e pronto!
Nunca pensei que separar fosse tão fácil.
porque eu sonhei com aquele menino correndo
e
vi
vi aquele menino correndo
aquele menino que era menino novo
e, no novo, é simples
simples assim
simples e só
eu fico aqui
e
vivo
você aí
e
vive
e pronto!
Nunca pensei que separar fosse tão fácil.
alguma coisa em comum com
Amélie Poulain na vida real é triste demais,
José Matias
16 de nov. de 2009
12 de nov. de 2009
Os peixes
Fui almoçar. Normal - se isto não estivesse ocupando lugar de raridade nos meus últimos dias. (É que às vezes eu me perco nos fios do tempo e teço fomes intermináveis).
Mas o daí é que no restaurante (que, por sinal, tinha limonada grátis) passava um documentário sobre peixes - talvez achassem que isto ajudaria na fome e no peso do prato.
Muitas imagens. De mar e praia. Meu olho batia na TV, nos intervalos das garfadas, e via, a cada hora, um bicho do mar diferente. Era um documentário sobre a diversidade.
baleia
leão marinho
peixe palhaço
tartaruga
escafandrista
- As larvas de lagosta parecem fibra de vidro.
Era tudo tão bonito e azul que conclui mesmo que só podia ser inútil (não a lagosta, mas o programa, como este texto).
Num dos meus olhares para a tela: um desses bichos molengos de fundo de mar. Esponjoso, disforme, confundia o chão. O documentário contava sobre seu ritual de acasalamento. O bicho piscou algo que parecia um olho, deu umas voltinhas, recuou, voltou. A fêmea? Imóvel, agarradinha ao chão cinza cor-de-sua-pele.
- O macho tenta tudo o que é esperado de sua espécie e nada. É um peixe frio.
Então, eu achei que era comigo (já disse da minha mania de achar sentido?).
Aquele narrador falava comigo e minha pele cinza e minhas voltinhas.
É que eu já fiz isso e nem sou macho. Nem peixe.
Digeri tudo aquilo com humilhação.
Mas talvez fossem só peixes.
Mas o daí é que no restaurante (que, por sinal, tinha limonada grátis) passava um documentário sobre peixes - talvez achassem que isto ajudaria na fome e no peso do prato.
Muitas imagens. De mar e praia. Meu olho batia na TV, nos intervalos das garfadas, e via, a cada hora, um bicho do mar diferente. Era um documentário sobre a diversidade.
baleia
leão marinho
peixe palhaço
tartaruga
escafandrista
- As larvas de lagosta parecem fibra de vidro.
Era tudo tão bonito e azul que conclui mesmo que só podia ser inútil (não a lagosta, mas o programa, como este texto).
Num dos meus olhares para a tela: um desses bichos molengos de fundo de mar. Esponjoso, disforme, confundia o chão. O documentário contava sobre seu ritual de acasalamento. O bicho piscou algo que parecia um olho, deu umas voltinhas, recuou, voltou. A fêmea? Imóvel, agarradinha ao chão cinza cor-de-sua-pele.
- O macho tenta tudo o que é esperado de sua espécie e nada. É um peixe frio.
Então, eu achei que era comigo (já disse da minha mania de achar sentido?).
Aquele narrador falava comigo e minha pele cinza e minhas voltinhas.
É que eu já fiz isso e nem sou macho. Nem peixe.
Digeri tudo aquilo com humilhação.
Mas talvez fossem só peixes.
alguma coisa em comum com
Ê peixão,
o que é esperado da sua espécie
O amor que eu um dia
"Não se afobe, não,
que nada é pra já
O amor não tem pressa ele pode esperar
Num fundo de armário
na posta-restante
que nada é pra já
O amor não tem pressa ele pode esperar
em silêncio
Num fundo de armário
na posta-restante
Milênios
Milênios
no ar"
alguma coisa em comum com
amores serão sempre amáveis,
mas um milênio é muito cumpade,
vamos ao cinema?
11 de nov. de 2009
erros de digitação
lama alma
alma lama
triste traste
traste triste
pau pai
pai pau
tina tona
toma tina
amor maor
e continua
alma lama
tudo é barro
triste traste
traste triste
não quero nenhum deles
pau pai
pai pau
Édipo manda lembranças
tina tona
toma tina
eu também sou Tina
amor maor
porque tudo é tamanho
e continua
cada um tem o oráculo que pode
Não digas: "o mundo é belo".
Quando foi que viste o mundo?
Não digas: "o amor é triste".
Que é que tu conheces do amor?
Não digas: "a vida é rápida".
Como foi que mediste a vida?
Não digas: "eu sofro".
Que é que dentro de ti és tu?
Que foi que te ensinaram
Que era sofrer?
In: MEIRELES, Cecília. Cântico. 3. ed. SP: Moderna, 1983.
Quando foi que viste o mundo?
Não digas: "o amor é triste".
Que é que tu conheces do amor?
Não digas: "a vida é rápida".
Como foi que mediste a vida?
Não digas: "eu sofro".
Que é que dentro de ti és tu?
Que foi que te ensinaram
Que era sofrer?
In: MEIRELES, Cecília. Cântico. 3. ed. SP: Moderna, 1983.
Não sei se é bom ou ruim.
Se é certo ou errado, mas leio esse livro,
como minha mãe já fez,
como um guia espiritual,
um livro de sabedoria,
uma espécie de bíblia ou i-ching.
E faz tanto sentido...
Talvez eu tenha essa loucura
- admito -
a mania de achar sentido.
alguma coisa em comum com
cântico,
clichês,
definições
o cão kazacuta
"Um dia era de tarde e vi o tio Joaquim dar banho ao Kazucuta. Um banho de demorar. [...] Lembro o Kazucuta a adorar aquele banho, deve ser porque era um banho sincero, deve ser porque o tio punha devagarinho frases ao Kazucuta, e ele depois ia adormecer. Kazucuta: lembro bem os teus olhos doces a brilhar tipo um mar de sonhos só porque o tio Joaquim – o tio Joaquim silencioso – veio te dar banho de mangueira e te falou palavras tranqüilas num kimbundu assim com cheiros da infância dele."
Trecho do livro Os da minha rua, do escritor angolano Ondajaki.
Trecho do livro Os da minha rua, do escritor angolano Ondajaki.
alguma coisa em comum com
dó e amor,
olho de bicho conversa comigo
10 de nov. de 2009
isto me enfrangalha
ciropédia ou a educação do príncipe
You find my words dark? Darkness is in our souls, do you not think? (James Joyce)
1
A Educação do Príncipe em Agedor começa por um cálculo ao coração. Jogam-se os dados, puericultura do acaso e se procura aquela vértebra cervical de formato de estrela ou as filacteras enroladas no antrebraço direito: sinal certo do amor.
Em Agedor o Príncipe é um operário do azul: de suas mãos edifica - infância - as galas do cristal e doura o andaime das colméias: paz de câmaras ardentes.
O Preceptor - Meisterludi - dá o tema: rigor! As matemáticas: cáries de uma série gelada. Linguamortas: oblivion sangrando a raiz dos árias: ars. Linguavivas: amor.
O Príncipe, desde criança, é um aluno do instinto. Saúda as antenas dos insetos. Ave! às papilas papoulas e à clorifila - salve! tornassol das espécies sensíveis.
[...]
Ele orienta as abelhas. Ele irisa as libélulas. Ele entra o palácio dos corais e suspende os candelabros.
À hora dos deméritos o Mestre diz: Rigor!
Infância do Príncipe: água de que se fartam infinitas crianças.
(Haroldo de Campos, 1951)
e tem mais assim:
"O Príncipe aprende a equitação do verbo. As palavras ódio e amor nada significam em Agedor - pois significam tudo."
alguma coisa em comum com
espécies sensíveis,
hora dos deméritos,
rigor e giro,
sinal certo do amor
mais intenso que o fogo
esse fogo
fogo
queima minha nuca
esse fogo
fogo
sobe na garganta
esse fogo
fogo
não me deixa calar
esse fogo
fogo
irrita meu esôfago
esse fogo
fogo
sorri pro querosene
esse fogo
fogo
volúpia e luxúria
esse fogo
fogo
vem da inquisição
esse fogo
fogo
é pentecoste
esse fogo
fogo
é desejo natural
esse fogo
fogo
acende meu cigarro
esse fogo
fogo
seu isqueiro me piscou?
esse fogo
fogo
me leva ao inferno
esse fogo
fogo
agita minha cabeça
esse fogo
fogo
sobe até o céu
esse fogo
fogo
é purificação
esse fogo
fogo
castiga o meu ventre
esse fogo
fogo
me enche de azia
esse fogo
fogo
aqui na minha orelha
esse fogo
fogo
esquenta o meu sangue
esse fogo
fogo
a febre me ultrapassa
esse fogo
fogo
veja o rubor
esse fogo
fogo
só apaga quando eu choro
fogo
queima minha nuca
esse fogo
fogo
sobe na garganta
esse fogo
fogo
não me deixa calar
esse fogo
fogo
irrita meu esôfago
esse fogo
fogo
sorri pro querosene
esse fogo
fogo
volúpia e luxúria
esse fogo
fogo
vem da inquisição
esse fogo
fogo
é pentecoste
esse fogo
fogo
é desejo natural
esse fogo
fogo
acende meu cigarro
esse fogo
fogo
seu isqueiro me piscou?
esse fogo
fogo
me leva ao inferno
esse fogo
fogo
agita minha cabeça
esse fogo
fogo
sobe até o céu
esse fogo
fogo
é purificação
esse fogo
fogo
castiga o meu ventre
esse fogo
fogo
me enche de azia
esse fogo
fogo
aqui na minha orelha
esse fogo
fogo
esquenta o meu sangue
esse fogo
fogo
a febre me ultrapassa
esse fogo
fogo
veja o rubor
esse fogo
fogo
só apaga quando eu choro
alguma coisa em comum com
artifício é fogo,
e fogo sempre começa pequeno
9 de nov. de 2009
saudação a Walt Whitman
“Work (Hoops)”, do artista Atsuko Tanaka
Por mim passam muitas vozes mudas há tanto tempo,
vozes das intermináveis gerações de prisioneiros e escravos,
vozes dos doentes e desesperados e dos larápios e anões,
vozes dos ciclos de preparação e crescimento,
e dos fios que conectam as estrelas - e do útero e do sêmen paterno,
e dos direitos dos que são oprimidos pelos outros,
dos deformados e insignificantes e chatos e imbecis e desprezados,
da neblina no ar e besouros rolando bolas de estrume.
Por mim passam vozes proibidas,
Vozes dos sexos e luxúrias....vozes veladas, e eu removo o véu,
Vozes indecentes, esclarecidas e transformadas por mim.
Não cruzo os dedos sobre a boca,
Cuido bem dos meus intestinos tanto quanto da cabeça ou do coração,
A cópula não é mais indecente do que a morte.
Acredito na carne e nos apetites,
Ver e ouvir e sentir são milagres, como é milagre cada parte e migalha de mim.
Sou divino por dentro e por fora, torno sagrado tudo o que toco ou que me toca;
O odor dessas axilas é um perfume mais caro que uma oração,
essa cabeça mais cara que as igrejas, bíblias, e todas as crenças."
Fragmentos de "Folhas de relva", de W. W.
alguma coisa em comum com
arrancos,
encontrões,
universo
3 de nov. de 2009
foi só isso
Houve um instante, breve instante, em que eu pensei: "Então é isso. Não há mais nada". E o destino cruel (pude ouvir seu riso maligno e mesmo agora meus olhos se apertam de ódio ao lembrar) cochichou: "Olhe para seu punho". Eu olhei, porque não havia outra coisa a fazer senão olhar. Não se desobedece destino, ainda mais quando basta seu sussurro para ocupar todo o ar ao redor.
Aí eu vi... Vi aquilo por que esperava há muito - tempo que confunde relógios: um pedacinho de tecido se soltava de meu punho, uma linha tão puída que era quase mesmo a pele. Seria pele se eu olhasse de novo, mas não deu tempo, porque eu vi a linha se soltando e se dissolvendo no ar. Por um instante, linha, pele e ar eram uma coisa só. E eu disse não. Não, mil vezes não. "Eu ainda não estou preparada". E uma voz (acho que era mesmo o destino. Ou Deus. Ou algo equivalente) disse sim.
E eu olhei ao lado e havia um moço se aproximando numa câmera lenta, em boca de beijo, tipo um bico. Eu disse: "Não. Mil vezes não. Eu não quero este."
Os olhos arregalados, um medão. Desejo que a linha se amarrasse novamente no meu punho, mas era mesmo um trapinho, só dos lixos. Quase gritei, com o corpo todo tremendo, o som entre os dentes: "Amarrrra!". Se eu gritasse seria um daqueles gritos de criança que quer o doce da vitrina a todo custo e acredita que a guloseima atravessará o vidro com a força do seu grito.
Mas sufoquei grito e tremor, porque me achei já grandinha e tive vergonha, e daí que o que contive teve a dimensão de uma aventura.
E o beijo veio porque o moço (repugnante - devo dizer - loiro e plácido) já estava perto demais. E a voz, que ainda ria de maldade, me mandou calar, advinhando a vontade do grito (é que meus olhos me traíam).
Eu queria ser mais forte que o laço que se quebrava, eu queria ser soberana a tudo aquilo que me acontecia sem minha permissão, e, sobretudo, eu queria dizer um palavrão bem impróprio para aquele tal destino ou Deus ou coisa equivalente.
Aí eu pensei em chorar, porque era o mais óbvio. Mas não achei justo. Porque não dava mais para voltar a esse ponto.
Então aceitei o beijo. O que me calou bem fundo e me engoliu as lágrimas.
E o destino riu, riu. Me abandonando pequena, ocupando apenas o meu lugar.
Aí eu vi... Vi aquilo por que esperava há muito - tempo que confunde relógios: um pedacinho de tecido se soltava de meu punho, uma linha tão puída que era quase mesmo a pele. Seria pele se eu olhasse de novo, mas não deu tempo, porque eu vi a linha se soltando e se dissolvendo no ar. Por um instante, linha, pele e ar eram uma coisa só. E eu disse não. Não, mil vezes não. "Eu ainda não estou preparada". E uma voz (acho que era mesmo o destino. Ou Deus. Ou algo equivalente) disse sim.
E eu olhei ao lado e havia um moço se aproximando numa câmera lenta, em boca de beijo, tipo um bico. Eu disse: "Não. Mil vezes não. Eu não quero este."
Os olhos arregalados, um medão. Desejo que a linha se amarrasse novamente no meu punho, mas era mesmo um trapinho, só dos lixos. Quase gritei, com o corpo todo tremendo, o som entre os dentes: "Amarrrra!". Se eu gritasse seria um daqueles gritos de criança que quer o doce da vitrina a todo custo e acredita que a guloseima atravessará o vidro com a força do seu grito.
Mas sufoquei grito e tremor, porque me achei já grandinha e tive vergonha, e daí que o que contive teve a dimensão de uma aventura.
E o beijo veio porque o moço (repugnante - devo dizer - loiro e plácido) já estava perto demais. E a voz, que ainda ria de maldade, me mandou calar, advinhando a vontade do grito (é que meus olhos me traíam).
Eu queria ser mais forte que o laço que se quebrava, eu queria ser soberana a tudo aquilo que me acontecia sem minha permissão, e, sobretudo, eu queria dizer um palavrão bem impróprio para aquele tal destino ou Deus ou coisa equivalente.
Aí eu pensei em chorar, porque era o mais óbvio. Mas não achei justo. Porque não dava mais para voltar a esse ponto.
Então aceitei o beijo. O que me calou bem fundo e me engoliu as lágrimas.
E o destino riu, riu. Me abandonando pequena, ocupando apenas o meu lugar.
alguma coisa em comum com
pulseirinha,
sim e não,
sonho sonhado
2 de nov. de 2009
alguma coisa de trágico e definitivo
Quando eu tinha meus dezessete anos, fazia uma idéia do amor. Pensava do amor maravilhas. "vou ser muito feliz, muito feliz", era o meu sonho, o meu desejo profundo. E, depois, quando me enamorei, quando me apaixonei, descobri a mais estranha das verdades: não havia entre o meu amor e a felicidade a menor relação. Eu amava e era infeliz. Descobri ainda, outra verdade: eu era infeliz, ele era infeliz. E não tínhamos culpa nehuma, nenhuma. Não fazíamos nada para merecer o nosso infortúnio. Lembro-me que, na época, uma senhora amiga, de vasta experiência amorosa, dizia assim:
- Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo.
(myrna. ou melhor, nelson rodrigues)
- Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo.
(myrna. ou melhor, nelson rodrigues)
-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*
Vamos admitir que o amor não passa de uma ilusão - E daí? Antes de mais nada, qualquer ilusão é susceptível de eternizar-se, de durar a vida inteira. Quantas pessoas não vivem e morrem com uma série de ilusões? Quantos homens e mulheres não vivem iludidos. E, nesse caso, que diferença fará uma ilusão de uma realidade, tanto mais que ela exista para enfeitar, para embelezar, para poetizar a vida?[...] Que seria de nós, que seria da vida, que seria do mundo, se, de repente, todas as ilusões desaparecessem da face da terra?
- Ninguém mais suportaria a vida, ninguém mais suportaria o mundo.
Portanto, o amor pode ter todos os defeitos, menos esse. O fato de ser ou não ser uma ilusão não exprime nem uma virtude, nem uma falha. Só uma coisa, na realidade, importa: o tempo que durará a ilusão. Digamos que seja eterna. Impossível desejar um bem melhor, uma sorte mais lírica e mais feliz do que uma ilusão que resiste a todas as provas e acompanha a pessoa até o túmulo.
(myrna. ou melhor, nelson rodrigues)
alguma coisa em comum com
folha do não me toques e o medo da solidão,
pouco amor não é amor
deu o sidney em mim
"Quando alguém abandona outro alguém
Devia ao menos dizer: vou de trem
Adeus meu bem e passe bem" (itamar assumpção)
"Desde que nasci
Acho natural
Tanta solidão
No esplendor do carnaval" (ná ozzetti)
"amor é fogo" (camões)
"opa! vc pecebeu?
Quase caímos
n
o
s
i
l
ê
n
c
i
o
esse abismo que passou." (eu mesmo)
"a mulher pode se privar de pão; de amor, nunca" (myrna)
Devia ao menos dizer: vou de trem
Adeus meu bem e passe bem" (itamar assumpção)
"Desde que nasci
Acho natural
Tanta solidão
No esplendor do carnaval" (ná ozzetti)
"amor é fogo" (camões)
"opa! vc pecebeu?
Quase caímos
n
o
s
i
l
ê
n
c
i
o
esse abismo que passou." (eu mesmo)
"a mulher pode se privar de pão; de amor, nunca" (myrna)
alguma coisa em comum com
aforismos esparsos,
cantarolar,
Melhor era tudo se acabar
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