19 de mar. de 2010

o esclarecimento da mulher esclarecida

Há muito tempo, quarta-feira é o meu dia de namorar. Nessa quarta em questão, eu estava na cama, nua, abraçada a raposo tavares, que não é meu namorado. Não é. O telefone de raposo tocou:
- oi [...] não [...] hum [...] agora não posso. [...] [...] tá bom, eu te ligo. [...] um beeeijo.
Tava na cara que ele conversava com uma mulher. O sensato seria eu não perguntar nada, porque o raposo não era meu namorado. Mas o mais importante era perguntar, porque essa era a vontade. Eu sabia que o raposo não gostava de mentir. Segundo ele, ele não mentia nunca.
- quem era? Perguntei.
- era a laura, uma amiga minha.
Como meu papel ali era de mulher esclarecida e moderna que fica nua com o raposo tavares que não é o seu namorado, entendi que eu podia e devia perguntar tudo o que eu quisesse, mas não com um tom de cobrança. Um tom de esclarecimento.
- você sai com ela assim desse jeito que sai comigo?
- saio.
- qual é o dia dela?
- é sexta.
Nesse ponto, eu fiquei irritada. O meu dia era quarta e o dela era sexta!
- Mas sexta você não joga? - controlei a voz para não transparecer a irritação leve.
- Já faz muito tempo que eu não jogo, moça. Meus amigos não se reunem mais na sexta.
Eu nunca quis a sexta. Na verdade, quarta era o melhor dia pra mim. Mas me veio uma forte vontade de testar minha importância na vida de raposo e exigir a sexta. Claro que achei isso histérico demais porque meu papel ali, como eu disse, era de mulher esclarecida e moderna que fica nua com o raposo tavares que não é o seu namorado. Parti para outro ponto.
- como é a laura.
- bonita. Mais baixa que você. Magra. Delicada.
- mais nova, é claro. Comentei já com a imagem certíssima de laura na cabeça, considerando também que eu e raposo tínhamos a mesma idade praticamente.
- sim, é mais nova que eu. E é também gênio.
- hã? Como assim, ela é genial? - falei meio rindo, uma pontinha de inveja que o raposo não percebeu.
- não, gênio mesmo. Tem um QI muito acima da média.
- ah, que ótimo. Quer dizer que às sextas você sai com a laurinha, que é gênio? É uma coisa interessante de se saber. - tom bem humorado - O que que ela faz? A gênio estuda? - brinquei.
- estuda. Tem uma bolsa numa escola especial para gênios, mas nem precisava... A escola só tem como aumentar 5% da inteligência dela, que já está quase no limite.
Pensei: "se ela for mesmo gênio não ia querer ficar com o raposo, porque ele não vale tanto a pena assim. Por isso, não é o meu namorado. Ou será que eu, que não sou gênio, não dei conta de perceber o valor de raposo?"
- a laurinha sabe de mim? Por que ela ligou numa quarta? - lembre-se o tom de minha voz, continuava sendo de doçura.
- bm ahco que ela sbae... pracee sbae...
- não entendi. Sabe ou não sabe?
- não sabe. Nunca falei.
Fiz um silêncio. Continuei:
- seria melhor você ir embora agora. - preste atenção na voz doce, baixa e firme.
- por quê? Eu vou contar pra laura. - ele também falava com calma.
- não. Você não quer contar pra laurinha, que é a sua queridinha protegida, protegida da verdade cruel que é a de termos desejo e realizarmos esse desejo enquanto se finge que não se tem e se escolhe uma bela noiva esbranquecida e delicada para fazer pouco sexo e contar muitas mentiras. Você quer namorar a laurinha, enquanto se distrai comigo. Eu também estou me distraindo com você. Seria bom se fosse só isso, mas nunca é. Nunca estamos no mesmo plano. Com o mesmo plano na cabeça. Nós não estamos no mesmo nível, eu não alimento nenhum laurinho. Além do mais, quando o relacionamento de vocês se acertar e você for conhecer a família dela, nossa distração de quarta vai acabar, e será meio brusco para mim. Não quero. Não gosto de nada brusco. Você sabe, há afetos entre nós, mesmo que não seja amor.
Nesse caso, a suavidade calma da voz foi ligeiramente abalada pelo exceso de palavras.
Raposo se vestiu e eu fiquei triste - mas achei que fiz certo com esta conversa.

2 comentários:

  1. Quando a ficção torna-se realidade?

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  2. No momento exato em que raposo tavares emerge para comentar um post. Ademais, o sonho é realidade, a narrativa não dá conta de tanto.

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Well... vejamos... eu poderia dizer que...
Fiquem à vontade!