Primeira parte
No campo do amor - sim, este texto fala, mais uma vez, deste território perigoso -, há pressa para se amar. Há necessidade de saber quem é o outro. O outro do outro lado do aperto de mão, o outro elo do desafio do encontro-primeiro-encontro, aquele que combinou de fazer mais uma tentativa de olhar fundo nos olhos, além da pupila.
Nesse caso, pergunta-se, num desespero educado de voz e sorriso, angústia de mascarados: Quem é você?.
E uma série de outras perguntas insanas.
Descobri por estes dias (defino: "por estes dias" = desde que eu nasci) que as perguntas mais essenciais são de outra ordem. Não são Onde você mora?, Quantos anos você tem? nem Qual é o seu nome?
Se eu pudesse, eu faria, num questionário minucioso, de delicadezas e exatidões - para além da matemática dos números -, as seguintes perguntas ao meu possível amor:
- Quantos séculos você poderia acariciar uma pedra quente de sol com o seu rosto?
- Você chora? Quanto de lágrima enche seu copo?
- Você sabe se é verdade que é melhor chorar dentro de rio, na mistura das águas?
- Você fecha os olhos para cantar?
- Você gosta muito daqueles insetos que nadam na pele da águas?
- Tens dó de matar barata?
- Como é o seu olhar ao deparar-se com sangue? Tens verbo para esse tipo de definição?
- Se eu te pedisse, você pegaria no meu braço com a mão suja de lama?
- Quanto tempo disponível você tem para combinarmos uma volta ao mundo?
- Você ama as antas? E os jabutis?
- O que você sente quando vê, num acidente, uma panela de arroz quente e branco cair no chão?
- Qual é a importância dos arredores da boca em um beijo?
- Com quantas equações você advinharia meu telefone?
- Achas possível viver sem um filhote por perto? Filhote de qual bicho você prefere? Gente?
- Se eu te dissesse que sou capaz da maior tristeza, morrerias de susto?
- E se minha alegria tiver a imensidão de um céu com via-láctea, você me acompanharia?
e por aí vai...
perguntaria mais...
porque é infinito...
a dúvida tanto quanto a vontade de saber.
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Segunda parte: a angústia
O pior de tudo é que eu sei que você (você que mora no meu pensamento e que é capaz de me ler) dará as respostas melhores de todas. Nãs as que eu espero, não as que combinam com as minhas, mas as respostas mais certas. Certas surpresas.
O fato é que eu sei que você (você que nunca terá força suficiente para encarar os meus lábios vermelhos, mostruosos), infelizmente, é do tamanho do meu sonho, e eu não precisei esperar.
O fatal é que você (que encaixa na minha esperança, que coincide com minhas orações), você deve ser esquecido com toda a força, porque, no campo do amor, quando se tem uma certeza, ela só pode estar errada.
O errado é que eu te elevo, fazendo-te irreal e inexistente. Distante.
O absurdo é que eu não acredito em nenhuma destas atitudes sensatas de esquecimento e "bola pra frente" que eu mesma enumerei.
Daí, eu suspiro. Limpo o pensamento com a toalha úmida, bebo champanhe porque sou chic, fumo nada porque eu não fumo, tento ser humilde na minha impotência. Choro bastante. Escrevo para distrair.
E é só isso mesmo.