30 de dez. de 2009

desejo de ano novo:

não querer tanto assim, meu Deus.

27 de dez. de 2009

um mundo que é só escuro

hoje eu descobri
que sonho símbolo charada
é coisa de outro mundo
um mundo em que eu não vivo
um mundo sem forma nem tempo
sem espaço sem corpo sem tato
em que o escuro só aumenta

não. não tem fim lá não

um mundo onde é só buraco
o mundo do caos loucura
onde não há fundo nem teto
onde eu nunca vou lá
do qual eu tenho que fugir
de leve sem abandonar
ao colocar os pés no chão




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ps:
pior que este mundo
(em perigo e imensidão)
só este aqui dos textos
este da pretensão

pretensão de saber tudo,
expressar o que é oculto e vive na escuridão

esta página aqui tão branca clara límpida atraente
me dá esta amarga idéia:
sim, eu posso, eu sei, decifro, devoro-te, degluto
toda sabedoria que eu tenho fica presa nesta função
ingênua, limitada, frenética
nem é sabedoria não


sem saber que nós, humanos, temos, por condição,
que namorar o que é secreto,
sem vela ou lamparina
parca revelação

mas um dia eu saio dessa

ou não?

26 de dez. de 2009

não sou bailarina

De onde você tirou esses arranjos florais para a minha cabeça? A última coisa que eu seria neste mundo é ninfa.
Pare de me ornar com véus, tudo o que eu não sou é pura.
Esqueça as bruxarias nórdicas. Meu feitiço é de outro tipo.
Para além dos sapos, não acredito em príncipes.
Por favor, tire esse damasco da minha boca.
E não... não me diga que pensou em me vestir com este tom de pele.

Muita coisa, muitos mundos, muitos perfumes secretos
podem se esconder por debaixo de uma pele branca.
Você nem sabe...
Nem eu...
Dispa-me, e veremos.

22 de dez. de 2009

no vermelho

por que eu não nasci homem, meu Deus,
pra contemplar as mulatas,
garotas de Ipanema,
boemia e tomar cerveja,
e depois, com melancolia,
poder brindar o azul?

por que eu não nasci em Marte, meu Deus,
pra ver este outro ângulo,
este que eu não vejo,
o do planeta azul?

por que eu não nasci mais forte, meu Deus,
para quebrar o nariz de quem pensa,
quem pensa ter este sangue,
este líquido sangue azul?

por que eu não nasci mais rica, meu Deus,
para desfilar os colares,
ilhas e silhuetas
nadar nas águas mornas
voar de helicóptero
e colecionar topázios azuis?

por que eu não nasci mais pobre, meu Deus,
para acordar mais cedo,
fazer bem bem os cálculos,
não precisar de analista
e visitar a família,
subindo no ônibus azul?

por que eu não nasci burrinha, meu Deus,
daquelas alunas loirinhas,
cabelo bem esticado,
sonhando apenas com, um dia,
tirar uma nota azul?

por que eu não nasci antes, meu Deus,
naquele tempo outro, naquele país distante
longe do que eu conheço, onde eu pudesse de novo
começar um futuro brilhante
de ouro purpurina contraste
um futuro que soasse
como um cometa azul?

você.....tum tum tum tum...

... não serve pra mim

"Não fique triste, não se zangue
Com tudo que eu vou lhe falar
Sinto demais, porém agora
Tenho que lhe explicar
Você comigo não combina
Não adianta nem tentar
Não vejo mais razão nenhuma
Pra continuar

Não quero mais seu amor
Não pense que eu sou ruim
Vou procurar outro alguém
Você não serve pra mim
Não serve pra mim

Uma palavra de carinho
Jamais ouvi você falar
Seu beijo tão indiferente
Foi o que me fez pensar
No tempo que eu estou perdendo
No amor que eu tenho pra dar
Deve existir alguém querendo
O que você não quis ligar

Não quero mais seu amor
Não pense que eu sou ruim
Vou procurar outro alguém
Você não serve pra mim
Não serve pra mim"


Renato Bastos

20 de dez. de 2009

o último encontro (antes do primeiro)

é o quê?
sorvete?
jogo do knicks?
cinema?
mais um poema?

(tenho muitos)

ou a realidade escancarada?

ou lencinho de donzela
voando pelos ares?
uma declaração de megafone?
nudez total?

A que horas tira-se a saia?

Tá certo.
eu desapareço então.

escutei o seu pedido aqui no pensamento.

18 de dez. de 2009

imagens primordiais

essa floresta
as feras

encontro o espelho
olho fundo
choro

as lágrimas
molham o solo
alimentam as bestas

subo a torre que não poderia faltar
prisão de princesa
espero o beijo

o beijo
inevitável no sonho
assombroso nesta outra realidade sem torres ou escadarias

16 de dez. de 2009

se eu pudesse perguntar

Primeira parte
No campo do amor - sim, este texto fala, mais uma vez, deste território perigoso -, há pressa para se amar. Há necessidade de saber quem é o outro. O outro do outro lado do aperto de mão, o outro elo do desafio do encontro-primeiro-encontro, aquele que combinou de fazer mais uma tentativa de olhar fundo nos olhos, além da pupila.
Nesse caso, pergunta-se, num desespero educado de voz e sorriso, angústia de mascarados: Quem é você?.
E uma série de outras perguntas insanas.
Descobri por estes dias (defino: "por estes dias" = desde que eu nasci) que as perguntas mais essenciais são de outra ordem. Não são Onde você mora?, Quantos anos você tem? nem Qual é o seu nome?
Se eu pudesse, eu faria, num questionário minucioso, de delicadezas e exatidões - para além da matemática dos números -, as seguintes perguntas ao meu possível amor:
- Quantos séculos você poderia acariciar uma pedra quente de sol com o seu rosto?
- Você chora? Quanto de lágrima enche seu copo?
- Você sabe se é verdade que é melhor chorar dentro de rio, na mistura das águas?
- Você fecha os olhos para cantar?
- Você gosta muito daqueles insetos que nadam na pele da águas?
- Tens dó de matar barata?
- Como é o seu olhar ao deparar-se com sangue? Tens verbo para esse tipo de definição?
- Se eu te pedisse, você pegaria no meu braço com a mão suja de lama?
- Quanto tempo disponível você tem para combinarmos uma volta ao mundo?
- Você ama as antas? E os jabutis?
- O que você sente quando vê, num acidente, uma panela de arroz quente e branco cair no chão?
- Qual é a importância dos arredores da boca em um beijo?
- Com quantas equações você advinharia meu telefone?
- Achas possível viver sem um filhote por perto? Filhote de qual bicho você prefere? Gente?
- Se eu te dissesse que sou capaz da maior tristeza, morrerias de susto?
- E se minha alegria tiver a imensidão de um céu com via-láctea, você me acompanharia?
e por aí vai...
perguntaria mais...
porque é infinito...
a dúvida tanto quanto a vontade de saber.
.
Segunda parte: a angústia
O pior de tudo é que eu sei que você (você que mora no meu pensamento e que é capaz de me ler) dará as respostas melhores de todas. Nãs as que eu espero, não as que combinam com as minhas, mas as respostas mais certas. Certas surpresas.
O fato é que eu sei que você (você que nunca terá força suficiente para encarar os meus lábios vermelhos, mostruosos), infelizmente, é do tamanho do meu sonho, e eu não precisei esperar.
O fatal é que você (que encaixa na minha esperança, que coincide com minhas orações), você deve ser esquecido com toda a força, porque, no campo do amor, quando se tem uma certeza, ela só pode estar errada.
O errado é que eu te elevo, fazendo-te irreal e inexistente. Distante.
O absurdo é que eu não acredito em nenhuma destas atitudes sensatas de esquecimento e "bola pra frente" que eu mesma enumerei.
Daí, eu suspiro. Limpo o pensamento com a toalha úmida, bebo champanhe porque sou chic, fumo nada porque eu não fumo, tento ser humilde na minha impotência. Choro bastante. Escrevo para distrair.
E é só isso mesmo.

12 de dez. de 2009

consolação

começa com ciúme
exclusão:
ele está lá
no riso folia festa

e eu aqui
solidão

ele está lá
orgia gargalhada drinks

e eu aqui
solidão

não há festa em que eu caiba
solidão

ele ri
eu, lamento.

ele dança.
eu aquieto.

ele outros
eu só eu

no fundo, ele perdeu
essa oportunidade:
aprofundar-se
a solidão

no fundo
eu fui mais fundo
solidão

11 de dez. de 2009

Estudos sobre o romantismo

Parte III: "O que fazer"*
.
"Minhas angústias de conduta são fúteis, cada vez mais fúteis, infinitamente fúteis. Se o outro, ocasionalmente ou negligentemente, me dá o número do telefone de um lugar onde posso encontrá-lo a tantas horas, fico logo afobado: devo ou não devo lhe telefonar? (De nada serviria me dizer que posso lhe telefonar - esse é o sentido objetivo, razoável da mensagem -, pois é precisamente dessa permissão que não sei o que fazer.)
É fútil aquilo que aparentemente não tem e não terá consequências. Mas para mim, sujeito apaixonado, tudo o que é novo, tudo que incomoda, é recebido, não como um fato, mas como um signo que é preciso interpretar. Do ponto de vista amoroso, o fato se torna consequente porque se transforma imediatamente em signo: é o signo e não o fato que é consequente (pela sua repercussão). Se o outro me deu esse novo número de telefone, isso era signo de quê? Seria um convite discreto para fazer uso imediatamente, por prazer, ou apenas caso fosse preciso, por necessidade? Minha resposta será ela própria um signo, que o outro fatalmente interpretará, desencadeando assim entre ele e mim um tumultuado entrecruzamento de imagens. Tudo significa: por essa proposição, fico preso, ligado ao cálculo, me impeço de gozar.
Às vezes me canso de tanto deliberar sobre "nada" (como diria o mundo); tento então, num sobressalto, como um afogado que toca com o calcanhar o solo marinho, voltar a uma decisão espontânea (a espontaneidade: grande sonho, paraíso, poder, gozo): pois bem; telefone-lhe, já que você está com vontade! Mas o recurso é vão: o tempo amoroso não permite alinhar a impulsão e o ato, fazê-los coincidir, não sou homem de pequenos 'actings-outs'; minha loucura é equilibrada, ela não é vista; é imediatamente que tenho medo das consequências, de qualquer consequência: é o meu medo - minha deliberação - que é 'espontâneo'."
.
* BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso.

9 de dez. de 2009

desejo

deitar o rosto na relva macia
seu peito
sentir brilhar os olhos fechados
absorver tudo o que é quente morno tépido
não sobrar no fim do mundo
encontrar
bastar

não necessitar de nada mais do que uma companhia
a sua (imagine!)
abandonar a imaginação a seu terreno de imaginação
não corresponder com fantasma

sentir vibrar o pulso na energia de um lance de dados
vibrar qualquer coisa na garganta que seja música
entoar a melodia com os dedos
dos pés

deixar que você observe o esplendor que há em mim
enquanto contemplo o vivo em seu diafragma

estourar tímpano e pulmões com a gargalhada mais brilhante
assobiar livre todo o ar que houver em mim
não necessitar de oxigênio para viver
delirar com gás carbônico

estar pronta para a vida
(ou talvez prontidão)
mesmo surpresa
dar conta desse peso
equilíbrio
sobre os dois pés - os instrumentos que tenho
tocam o chão

desejo tocar o chão enquanto vôo
elevo-me
leveza

5 de dez. de 2009

Dias radiantes

Uma vontade muito forte de comer misto-quente, daqueles que comia com minha mãe, quando íamos peregrinar pelo centro, me veio hoje.
Lembro como andava livre naquelas épocas. Minha mãe, dizia: vamos sair. E eu ia, puxada pela mão, dobrando as mesmas esquinas de sempre, sempre desconhecidas para mim, menina, aqueles caminhos que não sabiam nada do que interessava a uma criança. Não eram para criança (era muito depois do ônibus). Era de mãe, que guia e puxa os filhos para ir ao banco ou resolver problemas que não me ocupavam – apesar de estas resoluções práticas formarem quem eu sou hoje.
Seguia simplesmente, não precisava definir itinerários e me bastava saber que, sempre, no final, haveria a promessa do misto-quente. Minha mãe nunca prometeu e não há nada mais sabido do que uma promessa que não precisa ser feita. Eu era tão pequena e sabia tudo: sair de casa com roupa de sair, esperar ônibus em pé, sentar no colo da mãe, andar muito sem atrasar o passo, misto-quente.
Eventualmente comíamos pastel com guarapan (ainda hoje admiro o sabor desta conjunção), mas o habitual eram os mistos-quentes. Na lanchonete de moças de uniforme cor-de-rosa forte com bonezinho (visualize o tom: não era rosa choque, não era rosa claro). Radiante. Lembrei o nome da lanchonete: Radiante. As moças de bonezinho.
Era no centro e tinha lanche depois que minha mãe resolvia seus problemas de adulto. Eu não escolhia o caminho, eu não escolhia o cardápio e era bom. De nada disso eu sabia. Só sabia que deveria andar com ela e reclamar nada. Depois o pão tostado, manteiga nas duas superfícies. Mesma proporção de queijo e presunto. Tostado, suculento, salgado. E sempre haveria refrigerante (mesmo se fosse para dividir com irmão).
Antes disso, alguns anos antes, eu era mais novinha. Antes de sair, sempre às pressas, eu tomava uma mamadeira de leite quente com açúcar. Eu era grande e tomava mamadeira. Quantos anos eu tinha? Que enigma era tudo isso. Eu era grande para uma mamadeira, certeza. A prova disso é que eu pulava a roleta do ônibus e já era proibido para minha idade. 6 anos? 7 anos?
Eu tomava mamadeira de leite antes de sair e sentia náusea. O doce saculejava em meu estômago. O quente.
Não é possível que eu tomava mamadeira nessa idade. Talvez fosse só leite. Estou misturando a memória. Meu irmão tomava mamadeira. Eu, só o leite, no copo mesmo. Não sei.
Mas enjoava. E segurava forte o pensamento para não passar mal, porque a viagem era longa, vinha das periferias. Eu era tão pequena. 8 anos?
Até hoje quando enjôo sinto sabor de borracha de mamadeira e leite e quente e açúcar.
Melhor mesmo foi a época do misto-quente na radiante lanchonete de moças pobres de cabelo duro e uniformes cor-de-rosa.
A gente lembra cada coisa. Hoje eu lembrei disso – que é saudade.

1 de dez. de 2009

fui ali e aprendi

que
é importante se descoligar do passado. Do passado que foi há um segundo atrás;
não é bom dormir igual a um bicho, extenuado. É importante descansar e depois dormir;
seria bom termos como prioridade a idéia de mudar quem a gente vem sendo: costumes, ranços, manias. Fazer diferente movimenta o universo;
ter interesse pela mudança é pouco, o interesse é só intelectual. O importante é colocar na prioridade da vida;
deve-se fazer jejum de vez em quando, não de comida ou água (jejum=ato heróico), mas de pensamentos. Se eu sempre penso numa pessoa querida, alguém que eu amo, devo deixá-la em paz um pouco. Fazer jejum de idéias fixas;
pensar que há algo que é vida (independente de ser física) além de nossa compreensão faz nosso pensamento ficar menos pesado;
pensar nos problemas deixa o pensamento e nossa vibração pesados. Pensar nas coisas elevadas, além da materialidade faz a gente vibrar mais leve. Pense assim: há uma vida lá em Júpiter que eu não entendo. Mude a configuração do seu pensamento até ele se acostumar com o que é sutil;
essa vida que existe para além de nossa compreensão é igual à nossa no sentido interior, parece que vibra parecido (mas mais leve);
é difícil, mas importante estar em contato com o que é sutil;
os ossos devem ficar menos densos, devemos enxugar o excesso de líquido, pesado, em nosso ser (seja lá o que isso significa para você). Cada um sabe o que é enxugar, a sua maneira;
não se deve comer demais, é importante deixar um espaço para a leveza;
só usamos 8% de nosso intelecto, daí que além de elevarmos nossa inteligência sutil, devemos ampliar também o intelecto.
mas aprender mesmo demora.