Eu fui visitar um homem, um senhor. E depois fiquei sabendo que ele era o Senhor da Morte. Junto dele havia uma governanta, de roupa séria, como convém à governanta do Senhor da Morte. Era uma senhora magra, de colo ossudo, de cabelos grisalhos e ensebados. O Senhor da Morte era muito ocupado e não me deu muita atenção, ele se preparava para receber uns visitantes. A governanta ficou encarregada de me recepcionar e mostrar o castelo. Ah, o lugar era como um castelo, casa antiga, móveis antigos, cheiro antigo. Soube que o homem era o Senhor da Morte porque por segundos vi que ele sugava almas com os olhos. Algumas pessoas que entraram na sala tiveram suas almas sugadas. Mas eu não tive medo (pelo menos não muito), porque eu fui ali de livre e espontânea vontade. Eu não havia sido convocada pela morte.
A governanta começou a me mostrar os aposentos, eu queria conhecer aquele lugar, por algum motivo desconhecido para mim agora. Era simpática. E falava baixo.
De repente, a casa começou a ficar cheia, eu sabia que ficaria. Quando cheguei, senti a multidão iminente, mesmo no vazio. Além disso, eu não era uma visitante qualquer, entrei antes do horário. Tinha um certo acesso e era bem vinda, por algum motivo. Mas agora a casa estava cheia. E eu observava a todos.
Passamos por um lugar onde havia um altar e fotografias de pessoas mortas, homenagens.
Uma mulher madura, de vestido esvoaçante e traços firmes. De olhos tristes e pesados, apontou uma fotografia e disse:
– Nery, não é?
Era a governanta. Fiquei em silêncio, olhando para Nery, que não respondeu e andava dura e levemente ofegante, com os olhos fixos num ponto da parede, numa postura de quem esconde um estado de nervosismo. Quando chegamos ao pátio, eu perguntei:
– Era você, Nery? Você está morta?
Ela respondeu com um levíssimo – imperceptível quase – choro na voz:
– Eu não sei. Não se pode ter certeza.
Minha calma e capacidade de ver que aquela governanta sofria, mesmo mantendo a postura neutra que convém à governanta do Senhor da Morte, me fez saber que eu era muito importante nessa história. A governanta precisava de mim para entender o que era vivo e o que era morto.
– E eu, Nery? Eu estou morta? Por que eu estou aqui, nessa caminhada, junto com os mortos? Me diga, porque eu não tenho certeza...
– Ninguém tem (palavras contidas, o mesmo levíssimo choro imperceptível). Vamos saber agora. Quem sai, está vivo.
Ela não disse, mas eu entendi. Os visitantes eram todos mortos, e seguiam, numa procissão desordenada, para a janela dos fundos, onde talvez houvesse uma saída, para o lado dos vivos. Pela porta, a mesma por onde entraram, eles não podiam sair, simplesmente não havia como passar (como se houvesse um campo de força – daqueles dos desenhos animados e filmes de herois – que impedia a passagem). Restava a janela. Conseguiriam? Não. E Nery? Também não. Eu já sabia. (Por que me foram dadas estas certezas súbitas?).
Mas eu tinha chance, eu era a única que tinha. A não ser que estivesse morta, realmente eu não sabia... Isso tornava a caminhada até a janela cheia de suspense. Nery precisava de mim: me ver saindo era a comprovação da existência de lá de fora.
Andávamos pelo castelo e eu, agora, tinha a certeza de que, afinal, eu não estava ali à toa.
A governanta começou a me mostrar os aposentos, eu queria conhecer aquele lugar, por algum motivo desconhecido para mim agora. Era simpática. E falava baixo.
De repente, a casa começou a ficar cheia, eu sabia que ficaria. Quando cheguei, senti a multidão iminente, mesmo no vazio. Além disso, eu não era uma visitante qualquer, entrei antes do horário. Tinha um certo acesso e era bem vinda, por algum motivo. Mas agora a casa estava cheia. E eu observava a todos.
Passamos por um lugar onde havia um altar e fotografias de pessoas mortas, homenagens.
Uma mulher madura, de vestido esvoaçante e traços firmes. De olhos tristes e pesados, apontou uma fotografia e disse:
– Nery, não é?
Era a governanta. Fiquei em silêncio, olhando para Nery, que não respondeu e andava dura e levemente ofegante, com os olhos fixos num ponto da parede, numa postura de quem esconde um estado de nervosismo. Quando chegamos ao pátio, eu perguntei:
– Era você, Nery? Você está morta?
Ela respondeu com um levíssimo – imperceptível quase – choro na voz:
– Eu não sei. Não se pode ter certeza.
Minha calma e capacidade de ver que aquela governanta sofria, mesmo mantendo a postura neutra que convém à governanta do Senhor da Morte, me fez saber que eu era muito importante nessa história. A governanta precisava de mim para entender o que era vivo e o que era morto.
– E eu, Nery? Eu estou morta? Por que eu estou aqui, nessa caminhada, junto com os mortos? Me diga, porque eu não tenho certeza...
– Ninguém tem (palavras contidas, o mesmo levíssimo choro imperceptível). Vamos saber agora. Quem sai, está vivo.
Ela não disse, mas eu entendi. Os visitantes eram todos mortos, e seguiam, numa procissão desordenada, para a janela dos fundos, onde talvez houvesse uma saída, para o lado dos vivos. Pela porta, a mesma por onde entraram, eles não podiam sair, simplesmente não havia como passar (como se houvesse um campo de força – daqueles dos desenhos animados e filmes de herois – que impedia a passagem). Restava a janela. Conseguiriam? Não. E Nery? Também não. Eu já sabia. (Por que me foram dadas estas certezas súbitas?).
Mas eu tinha chance, eu era a única que tinha. A não ser que estivesse morta, realmente eu não sabia... Isso tornava a caminhada até a janela cheia de suspense. Nery precisava de mim: me ver saindo era a comprovação da existência de lá de fora.
Andávamos pelo castelo e eu, agora, tinha a certeza de que, afinal, eu não estava ali à toa.
Maravilhoso hein?
ResponderExcluir