Meu amigo me conta uma aventura que tivera: ele resolveu pichar uma casa, de um homem rico. À medida que ele contava, eu visualizava. A casa era na periferia: longe, alta, de difícil acesso. Não era muito sofisticada. Ele foi de helicóptero, conseguiu com um amigo que trabalhava com isso, foi difícil chegar na parte a ser pichada. Claro que os donos da casa ouviram o barulho do helicóptero e o viram também. Aí ele escreveu algo assim: estou ali atrás das árvores escrevendo poesia. E ficou mesmo atrás das árvores e a polícia quase o pegou. Achei meio engraçado e sem sentido.
Depois estávamos no banco de trás de um carro, sentados muito perto. O braço dele meio que me abraçava. Eu estava tão perto que resolvi espontaneamente dar um beijo, algo que, no passado, eu quis fazer. Eu tinha me esquecido desta minha vontade antiga e, de repente, lembrei.
Nunca teria coragem de beijar um homem, assim, por minha iniciativa. Mas ali era realmente muito natural que eu fizesse isso. Pensei que meu beijo ia pegá-lo de surpresa, mas meus lábios foram em câmara lenta e ele foi narrando, num tom divertido, que eu não suponha nele:
– Será que esses lábios que se aproximam me darão um beijo?
Fiquei meio sem graça mas não vi saída senão continuar. Eu fui chegando mais perto e ele, no mesmo tom:
– Mais um centímetro, mais um centímetro... Parece um beijo. Aproximam-se ainda mais. Não acredito, será um beijo, um beijo, ah!
Eu encostei os lábios quase nos lábios dele. E foi um beijo muito ruim, não gostei da textura da pele. Beijei de novo, na boca. E foi pior ainda, sem graça, pele mesmo estranha. Ele me abraçou e beijou também, num gesto que transmitia uma mensagem: "somos íntimos agora". E eu pensei: "o que eu vou fazer com isso?"
Avaliei que talvez melhorasse depois, mas no fundo sabia que não. Com ele, seria isso: lábios sem vida, falta de entendimento das peles, um beijo chocho. Fiquei desapontada.