13 de nov. de 2011

para seu bem

Naqueles dias, senhorita rita seria capaz de fazer uma enorme guerra para instaurar o amor. Enfiaria o amor goela baixo, tal qual uma mãe faz com o filho ao lhe dar um remédio intolerável: - é para o seu bem.
Então ela escovou os dentes que estavam bem amarelos de uma semana - porque isso já era para seu próprio bem.
Quanto ao amor, saiu pelo dia.
Senhorita rita saiu para enfiar amor no mundo, tava sobrando nela.

Viu uma foto de um homem mal e enfiou amor nela, ou seja, picou a foto em mil pedacinhos e a jogou numa solução cuja base era feita de saliva de sua boca agora limpa, mais mel, mais pétalas de rosa, porque ela sempre ouvira falar que é assim que se faz simpatia, ainda mais de amor.

Depois viu um mendigo e lhe jogou amor num lenço. E mais: uma empada de palmito dentro do lenço porque ele sentia muita fome - o que é antes de amor.

Depois viu Don Juan, e lhe mostrou um gato adulto lambendo outro gato adulto, e disse; eis o amor.

A um casal com filhos e domingo no shopping, ela mostrou um paraquedas.
A um homem de bigodes, ela deu um vestido de fundo vermelho e flores pretas, e grandes.
A uma abelha, ela deu uma criança de pele macia para picar.
À criança, ela deu um colo de mãe.
À mãe, 87 minutos de silêncio puro
- e ela amou.

Um homem de camiseta azul lhe agradou muitíssimo, mas ele não precisava de nada... Pelo que ela sentiu.

Depois, por pura maldade, mostrou um túmulo sem flores a um casal de velhinhos apaixonados.

Tudo isso ela fez para si, não pelos outros.
E assim foi, andando por aí, esvaziando-se de amor para suportar a vida.

18 de ago. de 2011

Isso é científico

Os antigos (assim... preciso e determinado!) entendiam que cambalhotas e saltos mortais ajudavam o homem a se transformar, sair do seu ponto inicial, dar uma volta completa e começar de novo a caminhada. Essa informação é da Scientific American, li na sala da acupunturista. É muito bom ir a uma acunputurista que oferece revistas de ciência a seus pacientes. Ela também costuma indicar a leitura da Bíblia.
Tem dias que eu acordo com muita vontade de dar cambalhotas. Pergunto à Scientific American: A transformação começa que dia, é hoje?

14 de ago. de 2011

Tudo certo

Quando você me chegou meu bem me disse que estava tudo certo e eu achei tudo certo seus olhos seu cheiro e seu corpo pertenciam às proporções que ocupavam.
Certo você não disse nada. Mas estava dito para mim e para você porque eu não sou louca eu soube e eu poderia também dizer não à hora que fosse preciso mas não era o caso de não.
Era o caso de sim porque tudo estava nas suas proporções certas. Daí que eu não posso saber qual seria outra atitude da minha parte que não fosse o aturdimento quando você me entregou sem saber que entregava (certo você simplesmente esqueceu na mesa da sala) as pequenas molduras que eu havia te dado de presente.
As molduras que eu te entreguei vazias para que você preenchesse como quisesse.
Veja, é certo, não poderia haver presente maior neste mundo uma namorada que dá de presente o vazio emoldurado. Eu te dei espaço. Não é disso que os homens costumam dizer que precisam: “preciso de espaço!”? Espaço.
Você abandonou no espaço vazio de minha casa aquilo que eu te dei para ocupar. E veja que ainda não estamos falando de meu coração.
(Claro o vazio é grande para pretensões humanas de ocupação e domínio, mas um recorte do vazio... talvez disso dêssemos conta).

4 de jul. de 2011

embaixadores do mundo mudo, Francis Ponge

[a função da poesia é] é alimentar o espírito do homem, fazendo-o desembocar no cosmo. Basta rebaixar nossa pretensão de dominar a natureza e elevar nossa pretensão de fazer fisicamente parte dela para que a reconciliação tenha lugar. Quando o homem se orgulhar de ser não somente o lugar onde se elaboram as ideias e os sentimentos, mas também o nó em que eles se destroem e confundem, então estará pronto para ser salvo. A esperança está portanto numa poesia pela qual o mundo invada a tal ponto o espírito do homem que ele venha a perder a palavra, depois reinvente um jargão. Os poetas não têm de modo algum de cuidar das relações humanas, mas de ir de cabeça até o fundo do poço. A sociedade, aliás, se encarrega muito bem de empurrá-los, e o amor das coisas de mantê-los ali; eles são os embaixadores do mundo mudo. Enquanto tais, balbuciam, murmuram, afundam na noite do logos – até que, enfim, se encontrem no nível das RAÍZES, onde se confundem as coisas e as formulações.
É por isso que, seja qual for a que trazemos em nós, a poesia tem muito mais importância do que qualquer outra arte, qualquer outra ciência. É por isso também que a verdadeira poesia não tem nada a ver com o que se encontra hoje nas coleções poéticas. Ela é o que não se dá por poesia. Ela está nos rascunhos sobre os quais se aferram os maníacos desse mergulho. É a beleza do mundo, enfim, sem dúvida, que nos faz a vida tão difícil. Difícil? Ela é o impossível que dura.

12 de mar. de 2011

tabela periódica

200ml de óleo ou 200ml de licor ocupam uma xícara de mesmo tamanho. O peso é igual?
Estive por toda a manhã com esta dúvida matemática. E lembrei-me de minhas aulas de densidade. Uma vez eu fiz um trabalho escolar sobre a prata, e decorei todos os valores relativos a este metal. É mesmo um metal, não é? Não estou enganada, estou? É que na escola a gente aprende que o que sempre se soube como uma verdade não é bem assim aquela verdade. Por exemplo, o tomate não é um legume, aprendi na escola. E eu continuo comendo-o misturado a outros legumes - ou o que penso serem legumes.
Considerei que desaprender o que sempre se soube é muito bom, porque exercita nossa capacidade de levar susto. A todo o tempo levamos susto, decobrindo que o que se pensa ser, não é. E o que se pensa não ser, é. Não sei se a gente usa estas vírgulas aí que eu usei, mas as palavras "ser", "é", não" fizeram sentenças mesmo estranhas e confusas, e as vírgulas nos dão aquela sensação boa de que organizamos alguma coisa. Conheço pessoas que saem distribuindo vírgulas aleatoriamente por todo o texto, o que deve ser um indício de uma vida tão caótica que a pessoa se agarra a cada perninha de vírgula, na tentativa desesperada de organização. O que acaba por fazer um caos ainda mais completo. Que é a nossa condição clara - quer dizer escura.
Agora devo dizer que a vida é muito boa, pois não quero dar a impressão de ser uma pessoa caliginosa. Amei esta palavra: significa "tenebroso", mas parece que vem de "calo". E quem passa pelas trevas não fica cheio de calos, duros e insensíveis? Quanto a mim, na mesma proporção da doçura, ando cultivando durezas, mas não jogo pedras.
Hoje em dia, choro poucas xícaras por ano, menos - bem menos - de 200ml de lágrimas, o que salva minha alma.
E, das poucas coisas que sei, poço dizer que a densidade da prata é de 10490 kg/m3.

28 de fev. de 2011

apenas

Toda vez que digo, cheia de orgulho, "eu tenho razão", eu me sinto mó He-man, como se estivesse dizendo "eu tenho a força", daí me dá uma tristeza, porque eu queria mesmo me orgulhar de dizer "eu tenho a emoção", mas isto soaria como: "pelos poderes de Greyskull, eu sou só um ser humano". Ou, como diria aquela música, "eu sou apenas uma mulheeeeer".
Hum... vou já pesquisar mais sobre a She-ra.

impressões que tive em um museu

seda também pode envolver chumbo,

e a música pode te deixar muito triste

o que é bom



vermelho parece a minha casa

e quando pisamos em vidro podemos dizer:

que cerca é essa que me prende tanto e me priva

de dizer, de fazer, de só ir?



por dentro das paredes há mais do que só cimento argamassa e gotas de suor

mais muito mais:

toda a história pregressa da humanidade, desde a formação da carne

e toda vidência de futuro, nas ranhuras daquela superfície


os anjos fadados a não envelhecerem

se enchem de horríveis ruínas

interferências em sua pele azul de azulejo


papel é mesmo coisa muito agradável ao toque

parece mulher



e o que seria de nós se fôssemos apenas pés e coração?

26 de fev. de 2011

a mulher perfeita que tudo dá ao homem

No complexo de Don Juan, a imagem da mãe - a imagem da mulher perfeita que tudo dá ao homem, e que não tem nenhum defeito - é procurada em todas as mulheres. Ele procura uma mãe-deusa, portanto, cada vez que se apaixona por uma mulher, mas logo descobre que ela é um ser humano comum. Por ter sido atraído por ela sexualmente, toda a paixão de repente desaparece e ele decepciona-se e a deixa, apenas para projetar a imagem novamente em outra mulher, sempre repetindo a mesma história. Eternamente sonha com a mulher maternal que o tomará nos braços e realizará todos os seus desejos. Isto é frequentemente acompanhado pela atitude romântica da adoslescência. (Marie Louise von Franz)

14 de fev. de 2011

a feia

Hoje saí andando pelas ruas com uma cara de tá bom eu aceito que não sei o meu destino. Mas era uma cara misturada com uma outra cara de não me conformo por não ser eu quem controla tudo e define a hora certinha de acontecer todas as felicidades e nenhum problema, mas aceito o meu destino e já entendi que nada de bom vai me acontecer hoje. Andava com esta cara, e parecia alguém triste e admirável. Sim, eu era um tipo lastimável andando pelas ruas, mas devia ser uma cara bem interessante esta que eu fazia, porque os homens (principalmente) me olhavam muito e não me olhavam a bunda como costumam fazer mas a cara, a tal cara de aceito o destino mas na verdade não aceito porra nenhuma. Me olhavam e eu me gabava por dentro, como se tudo isso dissesse para mim, que, sim, eu cheguei a algum lugar respeitável. Certamente a tal cara devia ser deste tipo de mulher eleita como a ideal, algo como a ideia que se tem de Grande Dama: solene, discreta e triste. Essa categoria que os homens adoram, especialmente se vestirem rosa claro e renda. Essas que habitam altos níveis de idealismo e que são do tipo bezerrinho ou flor, sem genitália. Daí que eu concluí, que, hoje, mesmo sob tantos olhares, eu estava feia, muito feia. A mais feia.
E, numa gargalhada, mudei de cara.

26 de jan. de 2011

minhas férias

aqui o mar é calmo e gentil, mesmo sendo mar
cada onda me recebe dizendo frases de amor e delícias à minha perna
é bom receber assim a cada segundo tantas declarações de amor
(e eu que me julguei criatura que pagaria o castigo de nunca mais amar)
em retribuição eu o beijo freneticamente sem me importar com seu sal
não faço teatro porque cansei dos dramas e sinto o peso de te dizer tudo aquilo que você me perguntar
(pode perguntar)
estou me preparando para correr da chuva e me abrigar ao sol ou debaixo do cobertor, como for o caso
meu paladar saboreia o que eu julgava só existir na outra borda do equador

e eu posso ver um coqueiro a cada mirada para cima
não insisto em olhar para baixo para poder ver as folhas balançando
e não recuso nenhum mergulho porque respeito a profundidade
aqui ou lá, ou de onde eu vim, continuo estando
aqui mesmo dentro

mim

porque não há fuga - só passeio

8 de jan. de 2011

philippe halsman