24 de nov. de 2010

diário de vida real

Finalmente plantei as filhotes da Bromélia em um lugar mais apropriado. Já não havia muito o que fazerem na casa da mãe. Incentivei essa saída com palavras e água de chuva porque eu sei que não é fácil sair da casa da mãe. Coitadas, estavam tão fechadinhas, circunscritinhas, que mal se podia ver seu interior. Sei que agora elas vão se abrir mais, ganhar novas camadas de vigor. É assim a vida adulta, deve ser. E, como disse o Vinícius, "quem de dentro de si não sai vai morrer sem amar ninguém". Amor, bromelitas, amor para vocês!
Quebrei mais uma taça de vinho e amei mais uma vez as coisas tão lindas de vidro que eu tenho, todas tão prontinhas para quebrar. As taças tão frágeis de cristal, empilhadas na cristaleira da minha avó! São caríssimas, finas, reluzentes e horríveis - porque nunca foram usadas, (provavelmente nunca irão quebrar). As minhas taças não, todas quebram: sejam translúcidas, lisas, desenhadas ou coloridas, todas quebram. E, antes de se quebrarem, sustentam-se elegantes em hastes altas e finas, numa pose poderosa de quem não supõe uma queda - sempre iminente (pois eu tenho gatos). Ou talvez elas suponham sim, mas não temam. As minhas coisas de vidro, os meus gatos se encarregam de quebrar para mim. Mas hoje não, fui eu mesma quem quebrei uma taça.
E acabou.

22 de nov. de 2010

o dia de hoje não é o dia de amanhã

releio textos antigos em busca de uma sabedoria nova
vejo bem o que é a liberdade
coloco cada pingo de tempo em seu habitat natural: "fora com os relógios!"
gosto de sonho na boca, mel de um novo tempo que virá
detesto essa frase mas a mantenho na página pelo gosto de lembrar do que eu detesto
amo meus dedos cheios de marcas e cicatrizes que são bem a mulher que eu sou
não me orgulho nem me envergonho disso, esse amor
apenas amo de um amor tão mais genuíno que me foi infinitamente difícil saber que era amor
- essa palavra perigosa
não tenho mais melindres com palavras verdadeiras
sei dizer fodas com diversas entonações
e isso tudo não é ainda tudo
nem de longe, de forma alguma

20 de nov. de 2010

tristeza

primeiro acendi uma vela e pedi a tudo o que fosse luminoso: que o sofrimento, dessa vez, fosse menor do que o de antes!
lavei todos os copos e roupas sujas para ocupar as mãos com água e esquecer um pouco dos olhos e do coração tão úmidos naquele momento
senti-me tão seca, resolvi beber água
(vontade de quebrar o copo com as mãos e sentir o meu sangue
só pra lembrar que isto é a que chamam vida)
fui para o quintal e arranquei todos os matos ferozes
me arranhei muito e senti todo meu suor
- essas coisas que também fazem parte do que se chama vida
abracei-me ao pé de laranja justamente porque são seus arbustos cheios de espinhos,
ou seja, mais sangue, a escorrer-me por todo tronco e vestido de seda
vi que os bichos de estimação poderiam estar querendo algum amor que viesse de mim, mas ali estava - logo ali - o pacote de ração e sua realidade sorrindo ao lado

só me restou lavar o rosto e fingir força por mais uma vez
sim - eu continuo viva: eis o sangue escorrendo.

o que é o amor

Ainda que eu fale todas as línguas,
dos homens e dos anjos,
se eu não tiver o amor serei apenas
um bronze que ressoa,
um címbalo que retine.
Ainda que possua o dom das profecias
e conheça todos os mistérios,
que saiba todas as ciências,
ainda que eu alcance um tal grau de fé
que me torne capaz de remover montanhas,
se eu não tiver o amor,
não serei nada.
Ainda que eu reparta todos os meus bens,
entre os pobres,
e deixe então o fogo consumir meu corpo,
nenhum proveito tiro,
se eu não tiver o amor!

O amor é paciente,
o amor é bondoso,
não é nada invejoso,
arrogante,
orgulhoso.
Jamais é descortês
e nunca intresseiro.
Não se irrita,
nem guarda rancor no coração.
Detesta a injustiça,
gosta da verdade.
Tudo desculpa,
tudo crê,
tudo espera,
tudo suporta.
O amor não terá fim;
as profecias sim.
As línguas calarão
e as ciências têm seu termo.
Imperfeito é o nosso conhecimento
e também as profecias.
Mas quando vier o que é perfeito,
o que é imperfeito desaparecerá.

Quando eu era criança,
falava como criança,
pensava como criança,
como criança raciocinava.
Homem feito, me despojei dos atributos de criança.
Por enquanto,
enxergamos obliquamente,
por um espelho.
Mas, um dia,
nós teremos a visão
- de face a face.
Por enquanto,
conheço apenas uma parte.
mas logo o conhecerei,
como sou por ele conhecido.

Temos agora
a fé,
a esperança,
o amor.
Mas, dos três, o mais excelente
é o amor.

19 de nov. de 2010

sumir no mundo

se pergunta a uma chama de vela qual será o seu fim?
se sabe pra onde vai o amor na sua cadência normal de se esvair?
o som que eu pronuncio ecoa ainda por quanto tempo no universo?
e se eu estralar os dedos quanto mesmo dura isso?
como eu faço para sumir?
de que músculo osso sangue devo me privar
até atingir a transparência?

10 de nov. de 2010

naqueles dias

Eu acordei hoje tateando uma coisa que nunca estaria na minha cama e não falo que é o seu corpo porque este tem estado comigo com muita frequência.
Estava procurando com os dedos o cheiro que costumo sentir no meu travesseiro e que talvez seja resquício dos sonhos que ando tendo.
Procurei, procurei, procurei... e tive uma epifania: eu havia esquecido de fechar os olhos. Fechei, então, mas senti-me mesmo cansada do infinito e berrei:
- Tire esse peso daqui.
Gritei para Deus é óbvio, porque só ele mesmo poderia ser interlocutor de um berro desses. E é claro que a resposta foi um riso suave e calmo, que me dizia sem palavras: o peso é todo seu, querida! O que você vai eliminar para não afundar o seu barco?
E assim foi, acredita?