23 de ago. de 2010

não é segredo

Senhorita Rita acordou com aquela sensação na boca de que ela é insuficiente para o mundo. Que não importa o que ela diga ou faça a resposta será sempre: “– Nada”. Daí que ela escreveu uma carta para seu amado em pedido de ajuda.

Querido.
Às vezes você me pergunta por que eu sou assim tão calada, como diria aquela música que ouvimos e eu digo que a resposta é simples, é porque não há o que dizer quando as coisas estão assim desconcertadas e quando o sol, o dia, a manhã, enfim, amanhecem apesar de mim. Ultimamante (ou seja nas últimas décadas) as coisas andam em mim tão secretas que nem eu mesmo reconheço o que é o mim. Um grande segredo: eu tenho cá comigo dentro um desconhecido que vibra como se a qualquer momento pudesse vir à tona e que não pode mesmo vir à tona. Sabe, não se incomode comigo. Deixe me assim como você me deixou naquela manhã, ir embora sozinha, sem delongas. Cuide da sua vida, e eu em breve saberei – o quanto antes – que não há nenhuma espécie de proteção para o que é frágil: ou seja temos que manusear as caixas na esperança de que não se quebre nada, mas é sempre possível (e provável) que se quebre. Ou você já viu alguma mudança acontecer sem que nenhum bibelô se quebrasse? Ademais, nós dois sabemos que eu não sou um bibelô. Um brinde aos cacaquinhos! (neste momento seria apropriado que promovéssemos o espatifar das taças de cristal).
Besos.
.
PS: assim como os beijos mais ofegantes de Rita, esta carta tem uma infinidade de destinatários.

o segredo

Senhorita Rita acordou hoje com aquela sensação na boca de que o mundo é insuficiente. E escreveu uma carta desesperado a seu amado.

Darling.
E se você me contasse um segredo. Sim, um segredo, alguma coisa aí do profundo?
Talvez você não saiba, talvez já seja hora de saber: eu não suporto que só existam estes toques tão belos e insuficientes (falo dos toques no meu cabelo e na minha barriga, também tão lindos e insuficientes). Preciso de algo como... como um segredo. Sim, é esta uma estratégia para me consolar deste mundo. Deste mundo. Um segredo que falasse do cosmos ou do infinito - não sei qual é maior, como diria aquela frase do filme a que assistiríamos. Ou mesmo segredo pequeno, para começarmos o diálogo.
Não te peço amor, nem estados alterados. Não quero confissões. Não precisa entusiasmo. Talvez eu queira também, depois, que você me escute alguma coisa sussurrada assim em ouvidos, em segredos.
Mas, por hora, de qualquer forma, você podia me contar os seus. Os segredos.
Um trauma, um fetiche, uma insônia. Um segredo.
Peço como um mendigo, pois não tenho mais o que comer.
E que esta seja também a sua verdade: a do que vai além do que se pode ver, os segredos.

PS:Assim como seus beijos mais cálidos, a carta ainda procura o destinatário
.

21 de ago. de 2010

as coisas lindas do mundo

Algumas coisas lindas do mundo são:
sentar em cadeiras vermelhas e novas de um cinema
espiar um casal se beijando por intensidade, sem que eles se deem conta
observar um gato dormindo por 30 minutos e ficar em silêncio
absorver o cheiro do corpo depois que acaba o perfume
limpar unhas sujas de terra fértil
lavar louça com água morna de pia aquecida por serpentina
espionar um mato tremendo de chuva
e o que mais?

20 de ago. de 2010

Memória 5 - com a palavra, o homem

Meu tio quando era jovem há 30 anos atrás conheceu uma moça meio índia, no Pará, onde ele foi trabalhar por um mês. Uma moça meio índia no Pará é o sonho de muitos homens jovens há 30 anos atrás ou hoje. Eu mesma que nem sou homem sou capaz de ver os cabelos pretos dela, ainda hoje. Ele, pré-médico da cidade grande, gostou de dar uns beijos na moça. Não era Iracema seu nome, mas era meio índia do Pará. E eu também a beijaria se fosse jovem da década de 70 morando por um mês no Pará.
Daí que ele voltou para a cidade de Belo Horizonte e passou a receber cartas apaixonadas da moça que morava no Pará. Eu vi as cartas, que falavam de amor infinito e muitos corações. Versos e mais versos, desses que rimam "mar" com "amar". Contavam sobre sua vida no Pará, das coisas amenas que fazia, do trabalho doméstico e coisas dessa ordem. Uma intimidade.
O amor (que nunca esteve por perto) estava agora há muitas léguas de distância. Ele precisava responder às cartas, porque jovem no Pará às vezes jura amor eterno. Mas ele não tinha palavras nem corações para enviar à moça, nem ao menos canetas coloridas ou papéis enfeitados ele tinha. Mas queria responder às cartas.
E veio a estratégia para responder a essas cartas: seu amigo, também jovem da década de 70 e companheiro de trabalho (os dois trabalhavam no projeto Rondon), estava na mesma situação: recebendo cartas de uma moça paraense – outra moça, outra viagem, mesma caligrafia de Iracema.
Meu tio reescrevia essas cartas e mandava para sua Iracema. Que respondia com afeto e paixão sem perceber a impossiblidade daquele discurso pertencer a um homem que passou um mês no Pará e que não – não a amava.
O amigo exigia uma troca, as respostas. Essas cartas de afeto e paixão eram então copiadas agora pelo amigo do meu tio, e enviadas para a outra moça, que também se deliciava com a sorte de ter encontrado um amado de palavras tão belas. Criou-se assim uma fonte inesgotável de palavras de amor. Vindas das mulheres paraenses, velhas senhoras cheias de filhos e netos hoje em dia, jovens de cabelos lisos susceptíveis ao vento naquela época.
Muito mais do que responder às cartas, penso que os jovens queriam testar suas habilidades de se comunicar com o sexo oposto pela via da ardilosidade - o que deu certo. Para as meninas não foi de tudo ruim, elas treinaram a escrita.
Eu vi o maço de cartas. Muito tempo depois, eu era adolescente de 12 anos e li as cartas:
– Mas, tio, e a privacidade da moça? Não deixe ninguém ler estas cartas, nem eu... é uma intimidade.
Dizia isso e lia as cartas, ávida por palavras românticas e distantes (distantes do meu vocabulário, do meu Brasil, da minha idade).
Ao mesmo tempo em que via o deprezo dele por algo que foi enviado como uma preciosidade – as cartas seriam em breve jogadas no lixo – eu também me perguntava: Por que ele guardava o maço? Para mostrar, vaidoso, o amor que outrora lhe fora destinado?
– Vejam, eis a prova, alguém me amou. Sou amado, e superior – porque o recuso.
(Isso é um segredo: esta recusa durou para sempre, ou até hoje, – pobre do meu tio!)
Ou haveria algum afeto que ficou, ali, pairando, enigmático, sendo as cartas sua matéria incômoda?
De qualquer forma, nesse dia, aos 12 anos, eu entendi que não se pode esperar de um homem palavras de amor. Menos ainda cartas. E passei a copiar muitos versos, muitos versos para mandar aos homens que conheço. Versos ingratos, falsos, e cheios de palavras lindas. Digo que são meus, mas estou copiando tudo, de outros amores, estou renovando a fonte. Estou me vingando, em nome de Iracema. E que diferença faz?

12 de ago. de 2010

alto grau de romantismo (mas passa)

Como será que você me vê... É esta uma curiosidade que tenho. Eu mesmo me assusto quando me olho no espelho. Vejo as coisas que eu não sabia que era. Daí, que deve ser fácil cometer equívocos. E é.
Você seria capaz de ver mais que um espelho? Este espelho que vê muito, vê o mundo todo que decide passar por sua superfície.
Diga: você vê o quê? Esses seus olhos espetaculares... o que seus cílios emolduram no mundo. Você fixa o olhar em algo? Já fez isso, fotografia? Quando te olho e você me olha, penso muito no que você está vendo, e quero ser uma aparição em sua frente, um fantasma de luz dourada, epifania das epifanias, alma de todas as almas. Quero que seu olho me faça bem. Tão bem. E nem precisaríamos falar nada, por causa da luz. Mas suspeito que você só tenha olhos para minha mini-saia.

unguento

Providenciei pomadas logo depois que vi os pombos mortos. Mas as pomadas eram pra mim. Feitas de alguma substância enzimática, o unguento se encarrega de recompor, fechar, proteger. Tira as marcas de cicatrização. Li na bula. Passei por todo o corpo. Introduzi nos sete buracos da minha cabeça. Lambuzei-me de enzima. Lambi os dedos. Estou agora com a sensação inútil de que sou saudável e de que não terei a memória ativada pelas marcas daquele tombo. O buraco.

3 de ago. de 2010

curti!

(obs: esse poema deve ser lido com voz sussurrada, cheia do ar mais frívolo)

oh, que bom
você é feliz


veja, que belo, lindas fotos
puxa, eis você subindo o monte Roraima

e agora fazendo pose perto das hortaliças - so cool
ah, e agora curtindo a night em Varsóvia
o papel de parede combina com seu sutiã
olha a foto!

Sorriso
pose
roupas
o esmalte cor-de-rosa: ah! frenesi
paixão de chiclete
lindo demais
seu cabelo
ui

que vida legal!
quantas festas para ir
ah, façamos um brinde
e fotografemos o brinde

uow, você saca este som
e coleciona este selo
e joga este jogo

adoro este poema
uow

:)vou falar em inglês: so nice! junkie. forever.

cloaca.