De repente, todos os meus retrovisores se quebraram, em mil cacos. Por sorte não me furaram os olhos, porque deles eu ia mesmo precisar – como se verá a seguir. Mas entendi que eu não devia mesmo olhar para o passado.
Seguir em frente.
Estava tensa, insegura, e fazia um barulho horrível com meus pés sobre o acelerador.
– Devo ficar, devo ir? Entro? Saio? Até onde devo ir?
E acelerava horrivelmente sem sair do lugar, o medo da colisão.
– Que encontro é este, meu Deus?
1º encontro. 2º encontro, último encontro: não somos compatíveis com a eternidade, a não ser que se morra.
– Não esbarre nas pilastras, no meio fio, nas pessoas.
Não esbarrarei.
– Eu esbarrei em você, querido?
– Tudo é máquina.
– Tudo é máquina – repeti.
– Máquina estraga.
– Meu organismo, minha cabeça, meu coração.
– Não esbarre nas pilastras.
– Sim, os pilares. O que está em cima também pode desabar.
Colisão, desabamento, nada disso acontecerá. (Psiu, é segredo: às vezes me parece que é necessário colidir, desabar para ver o que sobrevive, sabe?)
Seguir em frente.
– Ok, positivo e operante.
– As coisas boas estão aí, é só pegá-las.
Abri um estojo de maquiagem e procurei por pequeno espelho que substituísse os retrovisores quebrados: olhar o presente, olhar para o futuro. Cuidado! Cuidados! Atenção! Não pare na pista!
Ao olhar para mim mesma, olhos nos olhos, vi todo o passado e sua glória de sol em dia de chuva, e seus buracos, buracos, buracos.
– Mas você está então acertando todos os buracos. A gente desvia dos buracos, você não sabe?
Acho que de verdade eu não sabia.
Agora eu sei.
Segui, andando a pé, sem carro, sem acelerador – com minhas pernas grandes que correm léguas.
Texto escrito a partir do gênero intitulado por mim mesma como: fato onírico em esfera ficcional (rs)
Obs: a informação entre parênteses faz parte do nome do gênero.