30 de mar. de 2009

Passemos para o "H" ou Com quantos poemas se faz um namorado?

Por um brilho
O telefone tocou e ela saiu procurando pela lua. Afoita até. Botou toda uma legião de parentes para vasculhar frestas de telhado, espaços vazios de concreto em que o céu se mostrasse. Uma lua que coubesse em qualquer janelinha.
– A lua está bem aqui em cima do teto.
– Impossível de ver, se está sobre nossas cabeças...
– Se ela gosta de lua, deveria escutar aquela música...
– Não, ela ainda não saiu.
– Como não? Já deve é ter ido embora.
Uma busca desesperada por romantismo assolou aquela casa de quatro indivíduos.
– Me dêem uma lua, um naco que seja. ­ – Ela dizia, num misto de suspiro e tensão.
Os vizinhos ajudavam, repletos de um dó espontâneo por aquela moça e sua tarefa hercúlea:
– Pobre de uma moça que procura sozinha por uma lua.
Ninguém esperava que a lua começasse seu fio crescente logo naquele domingo, dia preparado, pelo calendário, para uma lua nova.
E ela, que sempre amara em luas cheias, teve muito medo daquele amor que prometia algo com potencial de crescimento.
– Mas é apenas um satélite. Lembrou.
Esta moça de quem eu falo é muito capaz de fingir seguranças, mas chora como um bebê ao ouvir canções que transitem com harmonia entre graves e agudos.
Disseram-lhe:
– Esqueça. Neste momento, ele ri de você: “A boba deve estar atônita procurando por lua no telhado. Talvez até caia.”
Ele? Então a sua procura no céu evidenciara que havia um ele?
– Claro. Só o amor nos faz olhar tão alto.
A tal moça riu. Riu muito. E satisfez-se com a luminosidade já possível até ali.
Só lhe restava agora mandar um recado pelos ares:

“Procurei o rastro de luz prometido,
mas não encontrei nada.
Você mentiu para mim?
Já? Tão cedo da noite?
Bom, há sempre nuvens...
E você já me deve um beijo.”

Não mencionou o complexo mecanismo de translação e rotação a que estão sujeitas as coisas do céu. E, com uma paciência aprendida, aguardou por outros brilhos iminentes.

28 de mar. de 2009

G ou O namorado da senhorita rita


Senhorita rita acordou hoje e lembrou de seu namoradinho. Sentiu um lampejo de saudade e fez um poema. Ela não mandou para ele, porque, por enquanto, só conhece a inicial de seu nome - mesmo depois da tórrida noite de amor que tiveram.


Lança
Eu acho que o que eu gosto de você é esse ponto G
Tão maiúsculo em seu nome
Bem a combinar com tua anatomia de
Ombros largos e
Cheiro grave
E aspereza


Ela me pediu que dissesse que está à procura de G. Ele deve aparecer, se achar que vale a pena - pois é mesmo uma pena.


23 de mar. de 2009

Seção dos amores imaginários ou concretos demais

Nos devaneios noturnos da senhorita rita, surgem muitos – muitos – seres de matéria de nuvem, translúcidos, transparentes, mas que possuem mãos robustas, às vezes peludas. Alguns têm barba por fazer, outros usam roupas passadas pela mãe, alguns são bem sujos. São invisíveis e encorpados. Senhorita rita permite que tomem seu corpo e ruborizem sua pele.
Sinto febre. Por ela.
São mais pesadelos.
Ela fica calada quando chegam. Aceita sua presença. Agora vou transcrever as cartas que rita me mandou, dizendo o que pensa de cada um deles. Caso algum amante tenha acesso a essas cartas (destinadas a eles!), é permitido que revidem. Serei sincera em minha transcrição. Ela enviou as cartas para mim porque não chegou a pegar o endereço de nenhum desses amantes – são os tempos modernos.
Aí vão as cartas:

Querido Paul.
Você pegou na minha perna e ficou com olhar parado, ao longe. Como se nada tivesse acontecido. Suspendeu minha saia. Até o joelho. Enquanto a conversa ia chata, sobre a guerra.
Não gostei.
Tchau.
Senhorita Rita.

Querido, querido, querido.

Adoro o seu rock’n’roll. Você me pega na cintura num swing bem heavy... e é tão sweet quando me abraça depois de tudo.
Sua roupa preta me lembra demais as noites em que olhamos para a lua, deitados em sua cama – aquela que combina tanto comigo, sabe?
O cobertor vermelho, de pelúcia felpuda, sobre o lençol velho (o mesmo que já recebeu as incontáveis mulheres que você fingiu amar – com o consentimento e aprovação de todas elas) não sai de minha memória. Eu te amo por causa de seu cobertor vermelho.
Lindo, carinhoso, confiante, talentoso, educado, charmoso: um homem que deve ser deixado em paz. Tenho que me livrar bem rápido de você.
E eu olharei para a frente, prometo.
Mas antes eu queria, mais uma vez, a profundidade de seus beijos. Só mais uma vez. E depois fugirei de sua lista de carolzinhas, alicezinhas, natalinhas...
Porque eu me recuso a fazer parte dessa listinha amorosa que você nem se dá ao trabalho de consultar – pois há sempre carne fresca no pedaço. Como eu.
Então, vamos ao tal do beijo. Passo aí na sua casa? Ou você vem pra minha?
Depois tocamos em frente.
Beijos, da professorinha rita.

Senhor Barbichas Macias.
O senhor nem imagina a sensação que foi me despedir de você. Você não precisava me abraçar, nem somos íntimos nem nada, mas você me abraçou e eu pude sentir sua barba em minha pele. Não devias ter feito isso, mas agora que fez vou confessar minha ignorância: Não sabia que barba ficava tão macia, assim grande. Achei bonito. Gostaria muito de te abraçar de novo, por um tempo um pouco maior. Seria possível?
Me ligue.

Max,
nosso encontro foi formidável, você me abraçou forte, sem que eu tivesse tempo para dizer não. Gostei de ficar calada, sem reação. Assim deve ser da próxima vez (não se esqueça).
Obrigada por me deixar sem voz.

Japonês loiro,
tenho que te confessar: o seu maior atributo é o fato de que em breve irás para o Japão. Me desculpe a felicidade por saber-te tão longe em tão breve. É muito bom saber que eu talvez não te veja nunca mais, é que eu gostei demais de tocar sua pele áspera e sei que deve ser assim para ser bom: um toque único e efêmero.
Outro dia saí andando por perto de onde você mora para, quem sabe, te encontrar casualmente, antes que você se vá para o outro lado do mundo. Você parece não ter idéias para conversar comigo, pode conversar, bobo! Minha bela boca não morde como seu desejo pensa. Vou te ajudar: deixarei o carro em casa para você me oferecer uma carona. Não se esqueça de oferecer, ouviu?
Com você, eu gostaria de sentir lábios fortes em meu rosto. Beijos firmes. E uma mão firme capaz de me enlaçar até à cama. OBS: Eu também já intui sua delicadeza, não se preocupe.

Venâncio.
Não posso te chamar de querido.
Quero te dizer que cansei de ti. Você é muito preconceituoso e eu tive medo de que saísse espalhando por aí os meus sonhos. Não apareça de noite.

Oi, querido.
Você me olha tanto, e tem um ar bastante seguro de si. Por que você me olha? Esperas algum código de meu olhar? Eu sinto muito, mas não sei dar bola, já vou lhe avisando. Deixo toda a responsabilidade para você que nasceu homem. Toda. Essa é a minha forma de dizer que estou interessada. Entendeu? Se você perguntar se eu quero, direi que não. Se você me convidar para sair, direi que não. O caso exige atitude drástica. Se vire, é sua função de homem, eu não tenho dó. Além disso, não poderíamos nunca sair, convide-me para ir ao cinema e teremos um problema, pois jamais chegaremos a um consenso sobre algum filme, tenho certeza disso. Faz parte de nossas naturezas sermos opostos. Mesmo assim ficarei esperando sua atitude. Confio demais em você apesar de tudo, sei, por exemplo que você não me mataria, mesmo com toda a sua força brutamonte. Poderíamos ficar sozinhos, eu acho. Você me entenderia mal? Acho que sim. Devo dizer que nunca fiz isso, o que é mentira, pois há séculos venho planejando a ousadia. O fato é que fiquei totalmente sem ação quando você me segurou pelo braço, sem delicadeza nenhuma (como eu gosto) para passar por onde eu estava. E nem olhou para trás. Fiquei estupefata. E seduzida. Mas não sei fazer mais nada além disso.
Muitos beijos,
Tenho vergonha de me identificar.

Áureo.
Adoro sua tecnologia. Tão sofisticada. Adoro quando você fala palavras estrangeiras: shitake, curry, new york... tão ridículo e lindo que eu suspiro: ui, ui!
Além disso, seu cheirinho de sabão em pó me lembra roupa lavada por mãe, é uma delícia. Puro confort.
Sua feminilidade me assusta. É bonito.
É agradável estar comigo mesmo em você. E eu, que sempre gostei de amor aos encontrões, de mãos que tomam 1,70m de mim com um dedo, vou ter que mudar de tática. Você está saindo caro. Sua fragilidade excitante está fazendo de mim mais macho. Vou ter que aprender, já comecei as aulas de rispidez, de objetividade e de não-devaneio. Vou te levar para a cama e falar: "já". Daí, descanso.
Lembra que eu te disse que eras o primeiro? Mentira. Tenho muitos amantes, não cabem em meus dedos. Guardo lembrancinhas de cada um deles. De você, eu quero duas gotas de sangue embrulhadas em papel alvo. Sei que você fará um embrulho bonito, você é dos laços. Ah, quero um solo de sax também. Envie tudo para minha casa, você tem o endereço.

Cícero, Cícero, Cícero.
Você é dos meus... pena que é cego. Você não viu que eu olhava seus traços delineados pela camisa? Era a resposta ao que me perguntastes com os olhos. Perguntastes com os olhos, respondi com os olhos, mas você virou as costas na hora, burro! Agora não há mais jeito, você vai ter que passar pelo constrangimento de dizer, com todas as letras e sons, que me deseja e que quer me levar para uma casinha confortável nas montanhas, longe da civilização e perto do romantismo. Comece assim: “eu gosto de você porque você é linda”. E eu responderei: “tá bom, eu concordo. Pode me levar.” Vai ser ótimo porque você é adulto e eu estou fingindo que sou também. Aí a gente brinca e vai embora depois.

Amantes.
Eu facilito tanto a vida de vocês, dou dicas para me conquistar. Mereço um pouco mais de consideração. Estou estipulando: quero assistir a um filme no vídeo pelo menos uma vez por semana (filme com abraço), quero que façam suas especialidades culinárias para mim (uma vez basta), quero viajar para um lugar frio e outro quente (ao longo do ano). Mandem-me também uma mensagem erótica por dia. Pode ser por carta ou computador. Ou então coloquem debaixo da porta.
Combinado então.
Beijos,

João, brando João,
penso em fazer uma maldade contigo. Fique longe de mim. Vou te seduzir até te arrasar. Sou um perigo. Você tem estômago para isso? Aprendeste como curar alto amor na faculdade de medicina? Acho que não.
Tenho pena e gozo com isso, você tão experiente... está prestes a ser enganado por uma menininha... eu não devia te avisar, você merece minha ironia porque é bobo demais.
Terás apenas um momento de alívio: deixarei que toques belas pernas brancas.
Fuja enquanto é tempo...
Até mais, se não fores tão bobo.
Até nunca, se fores sensato.

Modelito.
Eu não quero nada contigo! Foi só a lua e a cachaça que me fizeram olhar para ti. Você é lindo e certo. E isso basta para me enojar. Quem olharia para você? Apenas moças de unhas bem feitas e cabelo de salão. Eu recuso.
Não me esqueça. Sofra um pouco para amenizar sua beleza correta.
Vai ser bom para você.
Pra mim, foi péssimo.
(ninguém mandou você vir aqui, eu disse que seria cruel. Estou em meus lençóis. Procure os seus).

Hello, Jonny.
Te vi no vídeo. Distante, distante, tão hollywood. Tão estrela quanto suor. Você ia gostar de me conhecer, essa é a única hipótese para ficarmos juntos, você gostar do que ainda não tem. Você tem mulheres, mas nenhuma delas tão absolutamente cotidiana como eu. O cotidiano te atrai? Responda que sim, que sim, que sim... o problema é que eu não falo inglês. Ficarmos juntos pode ser por um dia. Aí eu vou ficar pensando que você não vai me esquecer nunca mais... enquanto você me esquece rápido, rápido.
“Mas você não me esquecerá”, teimarei eu. Ai que mentira, ai que boa.
Mas se quiser um pãozinho com manteiga embrulhado no papel toalha, eu te mando com carinho. Tenho certeza de que os tapete vermelhos sangram um pouco sua paz.

Honey,

achei seu sabor amargo. Digamos que você é como um chá de boldo ou carqueja, só que sem os efeitos benéficos de saúde. Só o sabor ruim.
Ruim. Nada bom.
Será que você não se perguntou por que eu não fui de carro ao nosso encontro? Por bondade. Pois sei que, para homens como você, o carro é um atributo. No caso, é o seu único atributo. Pena que este não me interessa.
Este foi seu erro, você me confundiu com alguém que você conhecia – talvez dos lugarinhos bem frequentados por você e por toda a “tradicional família mineira”.
Sua falta de carinho, sua masculinidadezinha previsível (demonstrada apenas – eu grifo “o apenas” – em jogos de tv e barba malfeita) é cômica. Eu rio. Até chorar.
Senti-me diante de um estereótipo desses que a TV fabrica – eu nunca tinha visto um ao vivo... foi até emocionante, eu diria.
Entristeço-me pelas belas-bobas, de esmalte lilás e pele plena, que ainda aceitarão a cafajestagem rude, fingidamente carinhosa, em jantares pagos com cartão visa. E por você, que se sentirá exultante com tão pouco.
Enraiveço-me porque nunca fiz aulas de boxe e não tenho força nem técnica suficientes para lhe dar alguns socos estratégicos – apenas como paga pelas frases idiotas que ouvi enquanto teimava em encontrar algo de interessante em ti e como forma de sacolejar algo de vivo que talvez teime em existir em alguma camada mais profunda de você.
Falei em soco, mas não te quero mal. Até te desejo boa sorte! E felicidades, se possível.
Desejo de todo o coração que você se apaixone e sofra, porque “só é verdadeiramente vivo quem já sofreu”.
Despeço-me com esta carta para que não penses que sou má. Pois minhas intenções para contigo eram as melhores...
Sinceras não-saudades. E um beijo (para não dizeres que nunca te agarrei!).

enfrangalhe-se